quinta-feira, 17 de abril de 2008

MUDAMOS TODOS?

Edmar Oliveira

Num belo soneto, que fazia também muito bem, Machado de Assis se pergunta se mudaria o natal ou mudou ele, visto as transformações ocorridas no tempo. E esta dúvida machadiana nos assalta quase diariamente na revelação da realidade na pós-modernidade. Não só no natal, mas em todos os outros dias os acontecimentos não ocorrem como esperados no passado. E na avalanche de recortes o século XXI parece não ter nos acontecimentos da história pregressa o respaldo e suporte da sua compreensão. Não quero aqui fazer nenhuma reflexão filosófica para entender os acontecimentos de agora, embora goste da leitura dos autores que tentam a explicação dos fenômenos pós-modernos. Deixo a estes autores a tarefa para a qual não estou preparado. Mas não tenho vergonha de exibir a minha santa ignorância com a perplexidade do que me parecem paradoxos.



Senão vejamos. Perseguimos correndo (às vezes da polícia) a solidariedade, a liberdade, a igualdade, a fraternidade, ideais da Grande Revolução do século XVIII, para nos encontramos neste início do século XXI com o individualismo, o consumismo, a competição numa guerra ruidosa. Batalha onde o “eu” deve ser o melhor; derrotar os adversários (todos em volta), o objetivo; chegar ao topo, o prêmio maior. Mudaria o natal ou mudei eu? Bem inda agorinha, ali no século passado, na mesa de bar não tinha lugar para discutir o BBB. O Big Brother discutido era o do Orwell, que previa para 1984 uma deformação dos que queriam mudar o mundo pelo socialismo. Pior, no capitalismo de último tipo o Grande Irmão é a mídia que domina as massas. Massa hipnotizada que admira o grande herói da individualidade. Herói que pisa nos demais para ser o solitário vencedor. Vencedor que só ganha quando derrota todos os outros. Outros que babam de inveja do vencedor.


E se o vencedor é solitário não precisa do julgamento ético. Não há pra quem prestar satisfação. Os que foram derrotados saúdam o vencedor e invejam, ao mesmo tempo, estar neste lugar. Não é assim que pode ser explicada a luta da multidão para conseguir um lugar no leilão dos despojos de Juan Carlos Abadia? Vejam bem: um vencedor, sem nenhuma ética, traficante de drogas, conseguiu um milhão de dólares em bens materiais. Com sua prisão estes bens foram a leilão. Aparelhos eletrodomésticos, sapatos, roupas, inclusive cuecas do traficante foram disputados por uma multidão indomável que parecia brigar por ingressos para uma final de campeonato. O jogo em cena não seria a disputa de um legado do herói das massas? Como um pedaço de roupa ou do capacete de Airton Senna? Herói imolado, legião sem rumo. Mudaria a ética.


E nós, que tanto festejamos a Grande Marcha chinesa, somos pegos agora tentando apagar a tocha olímpica dos jogos de Pequim em solidariedade ao Tibete? Mudamos todos?

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