domingo, 15 de janeiro de 2017

Antigamente e hoje



(Geraldo Borges)


Antigamente eu sabia fazer uso de muitas coisas. Hoje não sei fazer uso de quase nada que está por aí, e representa o pós-moderno. Alcancei muita coisa do tempo de meus avós, que foram responsáveis pelo meu patrimônio cultura, a formação da minha personalidade.
A revolução tecnológica foi aos poucos mudando os nossos hábitos. E mexendo em nossa postura física e moral. No tempo de meus avós a gente defecava de cócoras, dentro de um buraco, em uma sentina, no fundo do quintal. Tomava banho de cuia tirando água de um tanque.
Hoje tomo banho quente ou frio dependendo da situação climática. Antigamente banhava no rio Poty ou Parnaíba sem medo da poluição. Hoje se quiser nadar terei de me associar a um clube ou fazer um passeio ao litoral, ou ir aos riachos do interior do Maranhão.
Antigamente quase todo mundo andava a pé, as cidades eram pequenas. O conjunto arquitetônico constituía-se de poucas ruas, uma igreja, uma praça, com um coreto, para a banda tocar, e casario de alvenaria, portas e janelas. Vizinhos bisbilhoteiros. Não existia imprensa. Tudo era perto. Todo mundo se conhecia. Os vizinhos eram como se fossem irmãos.
Hoje caminhar parece até que não é mais uma necessidade biológica. Virou apenas esporte. Tem tênis apropriado para tal ginástica recomendado pela NASA. Tudo está sob o comando da tecnologia. Quando a luz falta o homem faz uma viagem no túnel do tempo. Cai no reino da escuridão. E como fica alegre quando a luz elétrica volta. E como a luz de sua alma ressuscitasse. Fiat. A luz de vela é coisa para defuntos e pessoas romântica. Mas já teve outras serventias nas tarefas do cotidiano, serve ainda para encomendar almas de falecidos.
Na linguagem, patrimônio cultural que evidencia a singularidade de uma nação, muita coisa mudou aqui. Podemos dizer que as palavras também envelhecem, se aposentam no dicionário, e dão lugar no palco da vida para outros personagens. Isso faz me lembrar de meu avô, que se sentava à cabeceira da mesa; naquele tempo de antigamente existia essa hierarquia. Hoje o velho não sabe mais qual é seu lugar. Mas voltando ao velho, quer dizer ao meu avô. Ele tinha uma palavra, ou melhor, uma frase para excomungar os maus exemplos dos netos. Dizia casmurro: eu arrenego de tu moral. Ou então reclamava: na hora da mesa não se fala.
Hoje as nossas palavras perdem o fôlego e se entocam dentro dos dicionários, tímidas, com medo de concorrer com neologismo, anglicismo, galicismos. Ficaram opacas.  A sensação é que estamos perdendo o domínio de nossa língua, que ela está virando uma colcha de retalho. Com certeza não é mais o idioma de meus avós, uma linguagem muito mais rural que propriamente urbana. É isso memo. O processo e irreversível.
A tecnologia, o mundo pós-moderno vai criando uma nova paisagem para o seu espetáculo, com seus novos deuses que dão novos nomes as coisas. Inclusive um novo nome para nos mesmo, já que não somos mais simplesmente humanos. E precisamos de votos virtuais para um Feliz Ano Novo. E de muita tecnologia.

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