Com o lançamento do livro "Crônicas de um Piauinauta", cujo conteúdo foi tirado deste antigo blog, resolvemos reativá-lo para promover o livro e ao mesmo tempo voltar a ser o meu blog oficial. O blog existiu por dez anos, quando foi encerrado. Mas o seu conteúdo me obrigou a publicação. Talvez Flavio Reis, meu co-editor, tenha descoberto algum valor nessas crônicas antigas com o seu prefácio (alguns elogios exagerados entendam como pura gentileza desse maranhense generoso).
Eis, na íntegra o prefácio de Flavio Reis, que o nomeou como
UM SERTANEJO NA RODA DE CHOROEdmar Oliveira é, antes de tudo, uma figu-ra admirável. Migrante nordestino, viveua infância no sertão do Piauí, participouda cena contracultural de Teresina nos anos 70e fixou-se, desde então, no Rio de Janeiro, ondedesenvolveu uma carreira de psiquiatra no ser-viço público, seguindo a linha da luta antimani-comial, sob a batuta da incrível Nise da Silveira eseu Museu de Imagens do Inconsciente. Leitor pro-lífico, sempre teve por guia a inesgotável curio-sidade, pelas pessoas, pelo meio em que vivem,pelos acontecimentos de um mundo que foi setornando cada vez mais complexo e problemáti-co. E é como curioso, palpiteiro e enxerido quedesenvolveu o vício pela crônica, aquela arte di-fícil (e sempre em vias de extinção) de apanharum fragmento do cotidiano, uma lembrança ouum acontecimento e iluminar a compreensão decoisas mais amplas, ou apenas desconcertar oleitor, mostrando o “óbvio ululante”, como di-zia Nelson Rodrigues, aquilo que teimamos emnão querer perceber.Nesta juntada de crônicas escolhidas entre2007 e 2017, Edmar nos leva a um mergulho na criseda globalização neoliberal, a mudança dos ventos,de uma perspectiva otimista que se desenhava navirada do milênio para o atoleiro da crise econômi-ca, da violência urbana, das emergências epidemio-lógicas, dos novos autoritarismos e das guerras, emque estamos cada vez mais enredados. O arco de te-mas abordados é amplo e a escrita sempre enxuta,como rezam os princípios da crônica. Neste ofício,é preciso sagacidade, informação variada, objetivi-dade e outras coisas mais, no entanto, precisa, aci-ma de tudo, saber escrever bem, dominar a arte depregar o leitor num texto curto e forte, pequeno efatal como uma zarabatana indígena. E isso Edmarfaz com simplicidade e eficiência, com uma sabe-doria acumulada ao longo de décadas, nos livros,sem dúvida, que sempre cultivou, mas, principal-mente, com as pessoas e as multiplicidades da vidaconcreta. Ele carrega a alma do sertanejo desconfia-do, que misturou ao espírito mais aberto e curtidordo carioca, o que o tornou um realista brincalhão,cheio de tiradas espirituosas, sem nunca abrir mãoda crítica contundente.Dividida em cinco partes, essas Crônicas deum Piauinauta, nos colocam em contato com o es-tranho mundo que foi se configurando nas fím-brias de nossos sonhos e anseios mais recônditos.Assim, uma onda de intolerância, xenofobia, mi-soginia, racismo, violência, foi ocupando a cenado mundo, expressa nos textos que mostram aguerra que se aprofunda no cotidiano da antigaCidade Maravilhosa, convertida hoje na vanguar-da do futuro distópico que já estamos vivencian-do. São textos duros, mas com a veia poética que omenino do sertão conservou na cidade grande. Oautor nos leva também a lembranças de infância,dos brinquedos construídos com engenhosidadepela própria criançada, das histórias de Trancoso,que mantinham a todos com olhos arregaladosde suspense e medo. Numa gripe forte e cercadode antivirais, antigripais e tais, lembra dos remé-dios do sertão, simples e infalíveis, como o terrí-vel azeite de mamona ou a Emulsão de Scott, feitocom óleo de fígado de bacalhau, de gosto horrível,mas considerado um fortificante necessário paraos meninos raquíticos, como ele próprio, ou dafamosa “pílula contra”, um remédio que era sim-plesmente contra tudo ou quase isso.Essas lembranças acentuam o contraste comuma realidade bem distinta, dos novos tempos davida comandada por aplicativos, em cidades cadavez mais marcadas pelo medo, vendo crescer o ódiode classe contra pobres e pretos da periferia, jogan-do a todos numa guerra desnecessária, como frisaem uma das partes em que se divide o livro. Numtexto tocante, responde ao rei Juan Carlos, então notrono espanhol, em episódio celebrado na mídia in-ternacional contra o presidente venezuelano, HugoChávez, porque não podemos nos calar nuncadiante daqueles que oprimiram e subjugaram nos-sos povos. Na parte intitulada Mais Estranho Ficao Mundo, Edmar trata, entre outros assuntos, dasepidemias que vinham cercando o planeta, como agripe suína ou a gripe aviária, anunciadoras do ca-taclisma que se avizinhava com a Covid-19. A obe-sidade endêmica que convive com a desnutrição,mostra de desigualdade que vimos acentuar nestenovo milênio, do capitalismo turbinado que só au-menta a concentração das riquezas num patamaraté então nunca vivenciado.Edmar, sertanejo que se tornou cariocasem perder as raízes, um piauinauta atento aosproblemas do tempo, principalmente à mentali-dade fascista que ganha corpo em várias partesdo mundo e convoca à luta contra essa barbáriegalopante, não foge da raia. Ao não acertarmosas contas com a ditadura, o passado parece que-rer voltar com toda a carga de violência. Aten-to aos sinais, anotou a expressiva votação deBolsonaro no Rio em mais uma reeleição paraa Câmara dos Deputados, em 2014, e disse te-mer pelo número de meio milhão de votos queele arrebatou. Estava certo. Era já o vento da di-reita fascista que chegaria ao poder pouco de-pois, após a destituição de Dilma Rousseff porum parlamento golpista, sob o comando de umagente dos novos tempos, em que a perversãoaparece como nova “normalidade”, num mundoem que vale passar por cima de tudo e de todospara alcançar seus objetivos, sem o menor traçode culpa, que costuma acompanhar os neuróti-cos. Tudo feito com o apoio da grande mídia eda classe média irritada com o avanço das po-líticas sociais, que apenas buscavam diminuirnossas históricas e gritantes disparidades.Socialista convicto, não como defensor dosregimes que existiram em nome desse ideal, masdo princípio mesmo da construção de uma socie-dade sem os fossos de desigualdade social que seaprofundam, Edmar não se deixa abater pelo pessi-mismo, mesmo sabendo que o perigo hoje é a des-truição da civilização, nas barras de um capitalismoque avança sem freios contra a natureza e a própriahumanidade. Sonha com uma sociedade em queo desenvolvimento tecnológico esteja a serviço dasociedade e não a serviço da valorização pura esimples do capital, numa irracionalidade galopan-te que ameaça lançar a todos no precipício. Sabe,no entanto, que o tempo urge e hoje a luta maioré deter o avanço do fascismo no mundo e a barbá-rie que ele carrega. Essas crônicas, em sua aparentesimplicidade, são gotas de lucidez e humanismo,lançadas, às vezes com ironia, outras com veemen-te indignação, ao mar de estupidez e violência emque estamos afundando.
O livro pode ser baixado no link abaixo:
Se interessar a versão física do livro, falar com o autor WhatsApp 21988844284 ou
e-mail edmardasoliveiras@gmail.com ou ainda piauinauta@gmail.com
Visite o site da editora que tem vários livros para baixar gratuitamente:
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