quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O Exercício do Poder

Edmar Oliveira

O poder solicita o exercício. Ele é quase sinônimo de fazer. Os gregos já tinham sacado que essa coisa é séria e reservava o poder, mesmo num regime que inspirou a nossa democracia, para os sábios, os notórios, os que podiam se enredar nesse exercício para o bem comum, sem – quase nunca – colocar o fazer em benefício próprio. Sociedade classista, onde a democracia só atingia os homens livres, mas dentre os livres não eram todos com um currículo para o exercício do poder. Antes se conheciam suas aptidões nos destaques da sapiência, na dedicação ao bem comum. Mais isso era coisa de grego e seus presentes. Entre nós, aperfeiçoamos a democracia para que qualquer cidadão fosse ungido ao poder ou agraciados com pequenos poderes pelos poderosos. A democracia, na sua instância suprema, extinguiu os que sabíamos em sociedade estarem de acordo com o exercício. Qualquer um, democraticamente, por eleição direta ou indiretamente por indicação dos eleitos exercem o poder constituído. Mesmo que não mostre aptidão alguma ou tenha a ficha suja na polícia.

O que parecia o mais democrático possível – como sempre – tem seus efeitos colaterais, até piores que o remédio. Não vou falar dos grandes poderes e os podres – é só suprimir um “e” – do nosso cotidiano político dos dinheiros em meias, cuecas e orifícios indizíveis, que a riqueza deprava. Falo do exercício pequeno da atividade do poder. Já o exerci por algumas vezes e – todas – apenas se tinha um objetivo de promover o bem comum de uma clientela – os meus loucos – ou para abrir uma discussão com os canais da sociedade. Embora não seja um grego notório, sábio. Na concepção atual sou até uma besta, pois o único patrimônio que tenho é não precisar de sigilo bancário e ser justo, principalmente com os adversários. Ainda faz parte do meu patrimônio a chatice e defender o uso decente do dinheiro público, até na cobrança da carga horária, que se torna um desvio de recursos quando não cumprida. Posso me orgulhar em exercer o poder para o bem comum da clientela a quem servia.

Desde muito sabia dos podres poderes exercidos de forma narcísea com seu correlato de perversão. Mesmo os que são honestos, em relação ao erário, roubam a paciência dos subordinados, roubam a possibilidade de melhorar o bem comum. Mas não os tinha sentido na pele. Desde a última vez que deixei um cargo público (e espero não voltar mais, pois me aposento em breve) tenho sido submetido a capricho de Narcisos e suas formas perversas à exaustão. Bom cabrito não berra, por isso só escrevo sobre e em desabafo sem chiar na peia (como se diz na minha terra).

Mas o Narciso usa o poder para ficar mais belo, para se fazer notar que o tem, colocando barreiras de todas as formas em que os desafetos possam tropeçar, pelo simples prazer de falar para si no espelho: “ eu posso, eu quero, eu fiz”, enquanto atravessa a imagem refletida para se refugiar no seu ego. Porque o exercício do poder tem de acontecer por bem ou por mal. O poder não pode deixar de ser exercido, é da sua natureza acontecer de alguma forma. Mesquinhos e tristes esses podres poderes...

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originalmente publicado na Casa Lima Barreto

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