domingo, 23 de janeiro de 2011

Che num hotel de Campo Grande

Geraldo Borges




Um amigo meu, marxista, que reside em Mato Grosso do sul na cidade de Campo Grande, resolveu morar em um hotel perto da antiga estação rodoviária. Geralmente nos encontramos aos sábados no sebo Hamurabi, de propriedade do Cícero, diga-se en passant um sebo muito bem sortido, com preços variados, ao alcance do freguês, interligado a Estante Virtual.




A última vez que nos encontramos ele me contou que conversando com o dono do hotel, que tinha passado de pai para filho, ficou sabendo pelo novo proprietário que o quarto onde estava hospedado (nunca poderia imaginar), tinha sido alugado por Che Guevara, que, ali, passara uma noite, afim de pegar o trem em direção a Bolívia destino Santa Cruz de La Sierra, dali se embrenharia na selva onde cumpriria o seu destino de guerrilheiro, sendo caçado, como um lobo faminto e destruído, sumariamente, sem apelação.




Meu amigo me falou esta história. Eu não acreditei. O dono do hotel disse-me que era pura verdade, fora seu pai que lhe contara. E como provar? A prova era as feições, por mais que estivesse camuflada, a caixa de charuto, que estava sempre com ele. Dizem que ele conduzia uma granada dentro da caixa. A princípio teve medo, mas como era simpatizante da revolução ficou calado. Era só uma noite. De madrugada estaria cruzando a fronteira.




Enquanto eu ouvia esta história lembrei-me que Che Guevara tinha sido homenageado pelo governo brasileiro na presidência de Janio Quadro, que por coincidência era um cidadão de Mato Grosso. Pagou caro por esta coragem quixotesca, mas hoje Che, sendo um mártir e um mito pode ser explorado a vontade, pelos dois lados ideológicos.




Por que o dono do hotel não coloca um pôster do guerrilheiro da porta do quarto onde ele pernoitou, dizendo: Che dormiu aqui uma noite. Com certeza isto atrairia turistas curiosos que teriam o que contar depois de suas viagens. É um idéia. Dizem que o Minotauro ainda perambula pelo labirinto de Creta. E muitos turistas acreditam. Quem sabe a alma de Che que não acreditava em alma não está boiando dentro do quarto de um pequeno hotel de Campo Grande. Só que apenas os videntes tem o dom de colocar a nu este fenômeno




Pedi ao meu amigo que me levasse ao seu quarto de hotel, quem sabe lá eu não sentiria algumas vibrações libertárias. Perguntei-lhe como é que ele conseguia dormir naquele quarto onde Che deve ter passado a noite insone. Ela nada me respondeu. O seu perfil deve estar tatuado através da luz dos rebocos das paredes como sombras chinesas




Fomos ao quarto. Na hora que entrei, vi toda a biografia de Che de relance na linha do tempo, ganhando espaço, como uma grande parábola. Vi a barba rala, o rosto meio severo e terno, a boina com a estrela, a caixa de charuto em cima do criado mudo, e muitos detalhes do cenário humano de sua vida, a sua metralhadora a tiracolo, o seu velho uniforme de combate. Não havia duvida, eu senti Che Guevara, ali, dentro daquele quarto de hotel




Quando estava descendo as escadas do hotel, com o meu amigo, pensei em dizer para o dono do hotel, que se quisesse poderia solicitar ao patrimônio cultural do município, ou mesmo nacional o tombamento do quarto de Che, sem ironia a parte. Pois a maioria das pessoas que estão hoje no governo foram, ou são fanáticos admiradores do gênio de Guevara. E se ele já foi homenageado uma vez pelo presidente Janio Quadro, no ápice de sua vida, por que não pode ser agora depois de sua morte? O problema é provar se esta crônica é ou não é pura ficção.

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