Edmar Oliveira
Vermelha é um bairro de Teresina.
O Terror da Vermelha, um filme de Torquato Neto. Não é do filme que eu vou
falar. Mas do terror da Vermelha à Matinha, da Piçarra ao Mafuá, do Barrocão à
Palha de Arroz.
Durante a Intervenção do Estado Novo, e até um
pouco depois, a periferia de Teresina composta por esses bairros foi
criminosamente incendiada para que os barracos de palha dessem lugar a
modernização da cidade. O que o prefeito Pereira Passo fez no Rio no início do
século passado, com a ajuda "científica" de Osvaldo Cruz, num saneamento à peste,
em Teresina foi feito com a ajuda da polícia de dos políticos, num terrorismo às
claras e à luz do dia. No Rio teve a “Revolta da Vacina”, com o povo reclamando
de que a ação da saúde tinha relação com a perda das suas casas, na justificativa
de um saneamento necessário; em Teresina culpavam-se as vítimas pelas
queimadas. Os “Filhos de Ninguém”, como ficaram conhecidos, eram torturados para
confessar um crime praticado por seus algozes.
O que mais impacta em Teresina
foi a queima da memória. Nos tempos em que morei no Piauí eu sabia das
queimadas, mas pra mim, o que acontecera a menos de cinco anos do meu
nascimento, era como se fosse memória muito antiga do século anterior. A
geração que me antecedeu, certamente viveu aqueles tempos de terror, mas não
falava deles. Era um assunto sabido, mas não dito. O terror que se impôs na "cidade vermelha" ficou esquecido na poética denominação de Coelho Neto da "cidade
verde". Ironia das cores.
Embora os historiadores, romancistas e poetas
falem desse crime de fogo, não é um assunto que se apreenda nas escolas desses
currículos nacionalizados.
Pior é que a queima da memória
pelos poderosos que cometem crime se arrasta aos dias atuais. Não se fala mais
dos assassinatos de Helder Feitosa e Donizete, entre muitos outros, que ficaram
impunes. Jornalistas que se atreveram a contrariar os que mandam.
Recentemente a morte da
menina Fernanda Lages parece estar sendo
queimada da memória dos teresinenses. Há um ano, quando eu estava em Teresina
só se falava nisso: uma jovem, descendente de uma família tradicional, foi
encontrada morta atirada de um andar alto um edifício em construção. As
investigações passavam por pessoas importantes da nova elite local. Mesmo tendo
um vigilante no local o crime foi abafado. Até tentaram criminalizar a vítima,
só que as evidências de assassinado eram demais. E segue sem solução desta vez
quando volto à terra. E nem se fala mais nisso.
Teresina ficou moderna. A bela
ponte estaiada anuncia o crescimento da cidade para depois do rio Poty, na zona
leste, onde a cidade cresce. E novos edifícios se levantam da chapada em rumo
do céu azul de arder nos olhos. Hoje, andando na cidade, me deparei com prédios
modernos, longe um dos outros, em cores berrantes de amarelão, vermelho,
abóbora. Vi como se fossem as chamas das palhoças incendiadas para que a
modernidade se instalasse com a queima da memória. Mas se Fernanda Lages for
esquecida a nossa modernidade se faz sobre a sombra de um feudalismo dos
coronéis de outrora.
Em memória de Torquato no Terror
da Vermelha, que matou a família e foi fazer cinema. Antes de se matar.
Um comentário:
Edmar:
Resistir é loucara
Loucura é amor
Amor é tudo.
Abraços,
Chico Salles.
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