Geraldo Borges
No meu tempo de menino
aprender a andar de bicicleta era uma conquista muito especial. Quando
acendiam-se as luz mortiça na rua Campo
Sales nos antigos postes de madeira, eu ,e meu irmão, saímos, e encontrávamos outros colegas, e rumávamos para o posto de alugar bicicleta, na casa de
seu Osíres que não ficava muito longe. Era na mesma rua, dois quarteirões de
distancia. Tínhamos o direito de escolher a bicicleta que quiséssemos, a identificávamos
pela placa e pela cor da garupa. As marcas de bicicleta que me lembro eram
todas escritas em língua estrangeira; Merk Suissa, Monark, Gulliver, raleigh.
O Aluguel era por hora. Alugávamos geralmente por meia hora.
Pois nosso dinheiro era minguado, a gente reunia as moedas e arranjava uma soma
que desse para meia hora. Quem desse mais dinheiro andava mais. Como não
tínhamos relógio e entusiasmávamos em nossa aprendizagem, caindo e levantando,
uma vez por outra, chegávamos a esquecer o tempo, e pensávamos que a bicicleta era
nossa. Só nos dávamos conta da verdade quando uma pessoa do posto nos tirava da
brincadeira dizendo que o tempo já havia se acabado.
Esses acontecimentos se deram lá pelos idos dos anos de mil
novecentos e cinqüenta. Às vezes chegávamos em casa com os joelhos ralados ou
os cotovelos, mas isto não significava nada em relação as emoções que a
brincadeira nos proporcionava. Estávamos aprendendo a pedalar, a andar de
bicicleta. Possuir bicicleta naquela época dava estatuo. Eu tinha dois tios empregados,
um era sargento das forças armadas e tinha uma bicicleta, importada, vinda da
Alemanha. Naquele época nem bicicleta se fabricava, no Brasil.O outro tio era
empregado do DAC Diretoria da Aeronáutica Civil, coisa assim. Também tinha uma
bicicleta para ir ao Aeroporto. Andei algumas vezes na garupa de suas bicicletas.
Uma bicicleta pode conduzir três pessoas: uma na sela, outra na garupa e outra
no varão, dependendo do dono e de sua força e disposição. O Mauro Bezerra, que
morava na Campos Sales, e trabalhava na Mark Jacob, tinha uma bicicleta. Quando
passava na frente lá de casa, e coincidia eu estar saindo para o Liceu me dava
uma carona. Foi locutor de radio e depois deputado estadual pelo Maranhão. Quem
também tinha uma bicicleta era o presidente do aero clube do Piauí, de cujo
nome eu não consigo me lembrar no momento. Lembro-me apenas que ele sempre que
encontrava uma pessoa conhecida, descia da bicicleta, se emparelhava com a dita
pessoa e saiam conversando. Havia também um amigo que conheci mais tarde e que
morava em Timon. Como sua casa ficava defronte o centro de Teresina, ele
dispensava a bicicleta e vinha de canoa pelo rio Parnaíba. Era mais pratico já
que a única ponte que existia naquele tempo era muito longe de sua casa. Existia também bicicleta para mulheres, mas
eram mais raras. E distinguiam – se pela falta de varão. Os carteiros e os
padeiros também usavam bicicletas.
Ainda não havia ladrões
de bicicletas, pelo menos em Teresina. A primeira vez que vi um ladrão de
bicicleta foi no filme ladrões de bicicletas de Vitorio De Sica, em que roubam a bicicleta de Antonio, um
simples operário. Ele a procura desesperado pelas ruas da cidade. Não a
encontra. E então, resolve roubar uma também. Tinha de trabalhar e precisava de
uma bicicleta para percorrer as ruas de Roma, isto logo depois da Segunda
Guerra mundial.
Meu desejo era ter uma bicicleta, coisa que nunca aconteceu,
no tempo certo, uma bicicleta para passear. Aprendi a andar, claro aos troncos
e barrancos. Mas quede a minha bicicleta? Meu pai não podia me dar uma bicicleta,
que naquele tempo era caro. Se tivesse de me dar uma teria de dar outra para
meu irmão. E assim ninguém ganhou bicicleta. Nem que me lembra nunca dirigi as
de meus tios, que eram zeloso e não iam entregar o seu transporte na mão de
um menino meio maluco.
O tempo foi passando e eu sabia que
sabia andar de bicicleta. É coisa que ninguém esquece. Mas para verificar que
meu aprendizado não havia sedo esquecido, uma vez por outra alugava um bicicleta
e dava uma volta pela cidade, e ia verificando que o numero de bicicletas
estava aumentando, com certeza já se estava fabricando bicicletas no Brasil.
Um dia meu pai comprou
uma bicicleta, mas não foi para mim nem para meu irmão. Foi para um parente que
morava lá em casa, e era empregado na mercearia. A bicicleta foi comprada não
para ele passear, mas para o seu trabalho. Para que ele fosse a rua pagar
imposto, e resolver outros problemas. Nós podíamos muito bem aproveitar as
horas vagas do meu parente para andar de bicicleta. Mas meu pai não deixava.
Sabia lá se a qualquer momento ele não ia precisar. De forma que com o tempo andar
de bicicleta para mim tornou-se um sonho esquecido. Aos poucos fui notando que
andar de bicicleta requer muito coragem. A gente sair por ai de peito aberto
sem nenhuma proteção no meio do transito, sentido o vento nos ombros. Ainda bem
que agora existem ciclovias.
A cidade está cheia de
bicicletas fabricadas aqui mesmo em nossos parques industriais. Mesmo assim
tenho certeza que ainda existem muitas pessoas que sonham com uma bicicleta e
não podem adquiri-la. Hoje também acho que não existem mais postos de aluguel
para ensinar andar de bicicleta. Eu acho que qualquer garoto que ganhe uma
bicicleta não precisa apreender a pedalar. Aprende na creche, andando em
velocípede. Lembro-me que meu filho saiu de um velocípede direto para uma
bicicleta já andando, sem precisar dos arranhões nos joelhos e cotovelos, como
eu, meu irmão e meus amigos. Da bicicleta eles passam para uma moto, estas máquinas
perigosas que roncam por aí pelas ruas e estradas, com seus cavalos fumegando.
Costurando, os automóveis. São outros tempos, tempos de muita velocidade. Mas
eu acho que está na hora de dar um freio de mão nessa crônica.
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