domingo, 13 de maio de 2012

Marcas no tempo


Não consigo compreender o substrato filosófico da arte, atual, da tatuagem. Digo da atual, e me resguardo da compreensão do fenômeno ainda não ser possível, porque compreendo um pouco a tatuagem tribal. Certas etnias africanas deixam a avó tatuar os netos com desenhos no rosto e dorso para um reconhecimento do grau de parentesco na idade adulta. Como um documento que é inscrito no próprio corpo, e de difícil falsificação, para atestar a origem étnica do guerreiro do futuro. É que, desse ponto de vista, a tatuagem é a inscrição do indivíduo no social.

Mesmo a loucura da máfia japonesa, yakuza, que tatuam todo o corpo num padrão comum, está dentro dessa lógica tribalista – embora eu não veja nenhum sentido em face de fácil identidade de seus membros pela polícia. Coisa compartilhada entre os adeptos do neo-fascismo. Não estou falando dessa identidade social.

Quero aqui abordar a tatuagem individual, que só tem em comum com outros tatuados a tatuagem em si, processo doloroso e demorado.
Tem aqueles que inscrevem na pele o nome da amada (o), não tem? Nesses tempos modernos em que a relação afetiva é efêmera, qual o sentido da inscrição? Nega-la? Alguns até conseguem, como no caso da relação do Macarrão com o goleiro Bruno. Ficaram juntos até na cadeia. Mas a maioria dos casos a dor do desmanche da tatuagem deve ser maior que a própria. Dragões, tigres, flores e pássaros mostram um indivíduo que inscreve o pretenso caráter interior. Mas se ainda não vi tigres com o comportamento de gatos, já testemunhei ira, dignas de um dragão, em tatuados com flores.
Estampar o brasão do time é algo mais permanente, não se troca de time assim como se mudam relações afetivas. Agora trazer orgulhosamente impresso na pele o escudo do botafogo, seria meu caso, convenhamos que não seja de se orgulhar de um time que perdeu  de quatro para  o Fluminense.
Há tatuagens religiosas. São Jorge no sincretismo com Ogum. O Cristo e Guevara mostram o mesmo sofrimento do sacrifício. Mas a santa ceia, com os doze apóstolos do mesmo lado para o pincel de Da Vinci, já é algo exagerado. Tem uma Santa que protege as costas do tatuado que não ver a devoção. Na moda entra o Buda e outros deuses hindus. Dos japoneses e chineses os ideogramas dizem uma mensagem oculta para quem não os entende. Escrever frases também é uma necessidade que não entendo até pela repetição cansativa.
Recentemente uma atriz famosa tatuou na coxa um poema de Fernando Pessoa provocando elogios do Verissimo. Decifrar poemas de amor no corpo da amada até pode fornecer um roteiro de filme. Apenas chamo atenção para que as pessoas envelhecem e tatuagens podem ficar ridículas num velho. E o poema de amor talvez não fique ilegível por falta de óculos no leitor, mas pelas rugas que o tempo nos dá...

(Edmar Oliveira)

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