desenho: Amaral |
Acho melhor não dizer meu nome
Hoje eu me pergunto. Por que entrei
na política? Essa areia movediça que engole o eleitor e o eleito. Comecei como
líder comunitário de meu bairro, reivindicando um beneficio, ali, outro acolá: uma caixa d’ água, um ponto de
ônibus. E assim a comunidade foi se agregando a minha pessoa. Acharam que eu
devia filiar me a um partido. Filiei-me. E comecei a matutar
o meu novo destino.
As pessoas votariam em mim ou não votariam?
Votaram. Virei vereador. Aos pouco fiquei
sabendo que vereador não passa de um
assistente social. Sendo assim para manter o meu eleitorado não esqueci o meu
bairro. Continuei-lhe dando assistência à medida do possível. Foi reeleito. Aprendi as artimanhas políticas. As
negociações por debaixo do pano. E assim ia me diplomando.
Quis ir
mais longe. Candidatei-me a deputado estadual. Bingo. Fui eleito. Arranjei uma
amante. Mudei de domicilio, fui para o outro lado do rio. Quem diria. Um
simples líder comunitário. Não deixei a barba crescer. Podiam me confundir com
o pessoal da esquerda, que, para ser franco, são igualzinhos a nós. Claro que
não estou aqui para julgar ninguém. Mas, quando o assunto é dinheiro é difícil atirar a
primeira pedra.
Tirei dois mandatos como deputado estadual. A essa
altura eu mesmo já não me conhecia mais. Tinha mudado a coleção de amigos, me
desviava de calçada para não encontrar
os amigos de infância que me azucrinavam a procura de um reles emprego. Meus
amigos, agora, eram empresários do ramo da construção civil. Criadores de gado Resolvi entrar no ramo da pecuária. E me dei
bem.
Tão bem,
que deu um salto para deputado federal. Fui morar em Brasília, cidade que meus avós ajudaram a construir, num apartamento
bancado pelo governo federal. Aproveitei para trocar de amante. Na esfera
federal é onde está o mapa do tesouro. È só fazer parte da
turma, e garimpar. Certo que agora houve uma pega para capar. Os xerifes estão de olho. Mas a corrupção não para. Corrupção é tradição no Brasil. Por mais que pessoa de boa vontade tente demoli-la, nós procuramos
sempre uma maneira de restaurá-la.
Já estou
no segundo mandado de deputado federal. Amealhei uma fortuna, tenho dinheiro em
Ilhas Fiscais. Torno a dizer. Quem diria?
Sei que as pessoas me admiram, comentam a
minha meteórica carreira. Apareço nas colunas sociais, com o meu sorriso de
novo rico. Não me lembro mais dos nomes de algumas pessoas, crianças, que me
foram dadas para afilhados. Só me lembro mesmo de mim e de meus negócios.
No momento estou mexendo com meus
pauzinhos, cabalando, para ser
presidente da câmara. Depois que sabe sentarei em uma cadeira de ministro. Estou
pensando em me candidatar de novo a deputado federal. Não. A deputado federal não. E melhor virar senador.
E um mandato mais longo. E como todo mundo sabe. Tempo é dinheiro. Mas esse
degrau ainda não é o topo de minha carreira. Quem viver verá o eco de meu
triunfo.
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