domingo, 15 de novembro de 2015

Monólogo de um deputado

(Geraldo Borges) 
desenho: Amaral


Acho melhor não dizer meu nome
Hoje eu me pergunto. Por que entrei na política? Essa areia movediça que engole o eleitor e o eleito. Comecei como líder comunitário de meu bairro, reivindicando um beneficio, ali,  outro acolá: uma caixa d’ água, um ponto de ônibus. E assim a comunidade foi se agregando a minha pessoa. Acharam que eu devia filiar  me  a um partido. Filiei-me. E comecei a matutar o meu novo destino.
 As pessoas votariam em mim ou não votariam?
 Votaram. Virei vereador. Aos pouco fiquei sabendo que  vereador não passa de um assistente social. Sendo assim para manter o meu eleitorado não esqueci o meu bairro. Continuei-lhe dando assistência à medida do possível. Foi reeleito.  Aprendi as artimanhas políticas. As negociações por debaixo do pano. E assim ia me diplomando.
               Quis ir mais longe. Candidatei-me a deputado estadual. Bingo. Fui eleito. Arranjei uma amante. Mudei de domicilio, fui para o outro lado do rio. Quem diria. Um simples líder comunitário. Não deixei a barba crescer. Podiam me confundir com o pessoal da esquerda, que, para ser franco, são igualzinhos a nós. Claro que não estou aqui para julgar ninguém. Mas, quando o  assunto é dinheiro é difícil atirar a primeira pedra.
Tirei dois  mandatos como deputado estadual. A essa altura eu mesmo já não me conhecia mais. Tinha mudado a coleção de amigos, me desviava de calçada  para não encontrar os amigos de infância que me azucrinavam a procura de um reles emprego. Meus amigos, agora, eram empresários do ramo da construção civil. Criadores de gado  Resolvi entrar no ramo da pecuária. E me dei bem.
               Tão bem, que deu um salto para deputado federal. Fui morar em Brasília, cidade que meus  avós ajudaram a construir, num apartamento bancado pelo governo federal. Aproveitei para trocar de amante. Na esfera federal  é onde  está o mapa do tesouro. È só fazer parte da turma, e garimpar. Certo que agora houve uma pega para capar. Os xerifes  estão de olho. Mas a corrupção  não para. Corrupção é tradição no Brasil. Por  mais que pessoa  de boa vontade tente demoli-la, nós procuramos sempre uma maneira de restaurá-la.
               Já estou no segundo mandado de deputado federal. Amealhei uma fortuna, tenho dinheiro em Ilhas Fiscais. Torno a dizer. Quem diria?
 Sei que as pessoas me admiram, comentam a minha meteórica carreira. Apareço nas colunas sociais, com o meu sorriso de novo rico. Não me lembro mais dos nomes de algumas pessoas, crianças, que me foram dadas para afilhados. Só me lembro mesmo de mim e de meus negócios.

No momento estou mexendo com meus pauzinhos, cabalando, para  ser presidente da câmara. Depois que sabe sentarei em uma cadeira de ministro. Estou pensando em me candidatar de novo a deputado federal. Não. A  deputado federal não. E melhor virar senador. E um mandato mais longo. E como todo mundo sabe. Tempo é dinheiro. Mas esse degrau ainda não é o topo de minha carreira. Quem viver verá o eco de meu triunfo.






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