Edmar Oliveira
Um amigo meu sonhou que atirava de baladeira num gavião e acordou culpado, lembrando que a única coisa que acertara com o estilingue foi o dedão da mão, que segurava o cabo. E não dormiu mais. Passou por sua cabeça um inventário de brinquedos que animaram sua infância e levantou da cama decidido a fazer um Museu da Criança. E o cara é o maior fazedor de sonho que eu conheço. Portanto, o Museu vai sair. Quero apenas contribuir por lembrar de três brinquedos que agregaram tecnologia na invencionice dos meninos de então.
Primeiro a "Caixa de Cinema": de uma lâmpada transparente (dessas que quase não existem mais, a maioria agora é leitosa) tirava-se o filamento com cuidado e se colocava água. Com isso se fabricava uma lente de aumento necessária ao empreendimento. Essa lente era colocada dentro de uma caixa de sapatos, bem no meio, e se abriam duas janelas na caixa, na sua parte anterior e posterior. Nas laterais da caixa era feita uma fenda para passar um papelão, no qual estavam presos fotogramas de cinema de verdade.(Estes fotogramas eram fáceis de encontrar se você fosse amigo do técnico que passava os filmes. Ele os obtinha na emenda de filmes que naquele tempo quebravam muito, lembram?). Um outro ponto importante para o funcionamento do invento era uma casa de telhas com goteiras por onde passava um raio de luz. Pronto: um espelho pequeno desviava a luz para dentro da caixa, pela janela posterior, atravessava a lente e a película na frente desta e saia pela janela anterior projetando a imagem na parede. Era uma sensação fantástica ver a Maureen O'Sullivan com aquele vestido preto muito curto na Jane da floresta, na parede do quarto. Ou quando Johnny Weissmuller se pendurava no cipó a gente tinha certeza de ouvir seus gritos de Tarzan. A "Caixa de Cinema" foi um dos inventos mais fantásticos de que me lembro.
Depois tinha o "Caminhão de Carga": uma lata quadrada de óleo de cozinha (Depois elas ficaram redondas e agora são de plástico, aí adeus caminhão!). Uma tábua maior que a lata, mas da mesma largura. Pregos, tachinhas, arame, cordão, algodão, arco de barrica e tampinhas de vidro de penicilina. A lata era aberta nos três lados da parte maior, ficando presa numa extremidade. Rebatia-se a tampa, que deixava livre a carroceria do caminhão, e com a tampa rebatida era feita a cabine. A carroceria e a cabine (lembre-se que era um monobloco) eram presas na madeira, que justo a parte que ultrapassava o tamanho da lata era pra receber a cabine. Com os arcos de barrica (material muito comum nas caixas de madeiras de então) eram feitos os feixes de mola traseiros e dianteiros. Os traseiros eram independentes. No dianteiro um arco era preso apenas com um prego para que o giro permitisse a direção real do caminhão. As rodas, feitas das tampinhas de borracha dos vidros de penicilina, eram presas a dois eixos de arame que eram, por sua vez, presos aos arcos de barrica transformados em feixes de mola, amortecedores e direção. Tachinhas eram presas à madeira de suporte da carroceria. O algodão socado (1) e coberto por um pequeno pano, que se fazia de lona, era amarrado ao cordão que ia de um lado a outro prendendo nas tachinhas qual cadarço de sapatos. Estava pronto um caminhão de carga com feixes de mola de verdade e dirigível por um cordão duplo amarrado ao arco de barrica dianteiro, fazendo manobras reais. Com um caminhão desses, que fazia as curvas de verdade, e podia vencer riachos de mentira com suas molas, confesso que fiquei decepcionado quando comecei a ganhar carrinhos de plásticos das lojas de brinquedo da capital. Não faziam curvas, não tinham feixes de molas e eram muito leves para a gravidade relativa, que os faziam tombar muito mais que meu caminhão de verdade feito de lata de óleo...
Por fim, me lembro de um brinquedo sofisticado que mais se parecia de verdade que de brinquedo. A "radiola": um eixo para receber um disco de verdade era adaptado numa base com uma rodinha de rolimã deitada. De modo que as engrenagens do rolimã é que seriam usadas. Um pedaço de couro redondo ficava entre as engrenagens e o disco para que este pudesse rodar na velocidade que nosso dedo impusesse. Deu pra imaginar? Agora vamos construir o alto-falante da radiola: uma caixa de buriti era feita de forma retangular, em três lados (pra quem não conhece, buriti é o miolo da palmeira, que tem a consistência de isopor). O quarto lado era coberto com um pano, de modo que a caixinha ficasse parecida com uma real caixa de som. Uma agulha de máquina de costura vazava a caixa na parte retangular menor. O objetivo era que a ponta da agulha ficasse pra fora e o fundo no interior da caixa. Com a mão direita se colocava a agulha no sulco do disco, no começo de uma música, de forma suave, mas firme. A outra mão rodava o disco sobre a engrenagem de rolimã. Escutava-se o som da música, qual nós imaginávamos o som de um gramofone, que só conhecíamos em gravuras de revista. O problema deste brinquedo era que nós tínhamos de roubar os discos de verdade das nossas casas e a agulha da máquina de costura estragava o disco em duas, três ou quatro audições. Mas o prazer de fazer funcionar um invento era a melhor parte da brincadeira.
Eu fico olhando os brinquedos eletrônicos de agora e sinto saudade da imaginação. Quando ficar grande, o menino que tem um carro eletrônico por controle remoto vai lembrar apenas que apertava um botão e ele fazia curvas. Mas não tem as histórias pra contar de como fazer um brinquedo. Tá mesmo na hora de um museu da criança...
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(1) vale dizer que este algodão não "dava" em farmácia como agora. A gente colhia na roça, com caroços, ou pegava em pequenas manufaturas, antes de ser beneficiado. Era muito algodão. Não um tantim assim. Sei que para algumas pessoas, que chegaram recentemente ao planeta, isto pode parecer estranho...
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