Geraldo Borges
Não consigo me lembrar do meu primeiro brinquedo. Mas deve ter sido a chupeta, o maracá, e concomitantemente os dedos dos meus pés. Um salto nas lembranças e me vejo no pátio da fazenda de meus pais brincando com um cavalo de pau feito de um galho de palha de carnaubeira. A idéia deste brinquedo saiu da cabeça do menino João, agregado de nossa casa, menino habilidoso que sabia fazer muitos tipos de brinquedos. Alguns exemplos: arapuca de taboca para pegar rolinha, badogue para atirar pedra em passarinhos, besta com arco e flecha,.vapor gaiola de talo de buriti para a gente brincar dentro do riacho, gaiolas, bainha de faca feita com pedaços de arco de barrica que vinham reforçando as caixas de mercadorias que meu pai comprava nas casas de exportação. Ele passava um pedaço de arco de barrica em uma pedra de amolar até fazer um gume na lamina. João era um artista, para não dizer artífice. Ia me esquecendo da baladeira, que depois fiquei sabendo que também pode ser chamada de estilingue. As nossas eram feitas de elástico. Mas funcionavam muito bem. Como morávamos no mato quase todos estes brinquedos derivavam da nossa paisagem. As minhas irmãs brincavam com bonecas feitas de ossos de boi ou de sabugo de milho. E viva a imaginação. Jogávamos bola com bexigas de boi.
Claro que havia outras brincadeiras das quais participávamos como expectadores: o reisado, o bumba meu boi, as festas de São João. As desobrigas. Isto era coisa organizada por adultos. Tinha um tempo marcado no calendário. Não era brincadeira de menino. Mas mesmo assim nos divertíamos.
Na cidade fui apresentado a novos brinquedos. Uma vez ganhei um pião de metal todo colorido, que tinha um barulho esquisito, parecia que estava roncando enquanto rodava. Fiquei encantado com o equilíbrio do pião. Ganhei até revolver. Aprendi a jogar ioiô..Mas quando vinha as férias eu voltava para a fazenda e de novo caia no mundo encantado dos brinquedos do João. Mas como nem sempre voltava à fazenda aos poucos os brinquedos da cidade foram tomando conta do meu espírito. Ganhei uma bola de borracha e comecei a jogar pelada, a jogar time de botão, peteca, triângulo, amarelinha, que a gente dava o nome de cancão, rodava pneu pelas ruas. Brincava de guerra, uma rua contra outra; Tomava banho no rio Poti. Brincava de galinha gorda: Dizia os seguintes versos:
- Galinha gorda
- Gorda é ela
- Vamos comê-la
- Vamos a ela!
Para quem não conhece a brincadeira. Galinha gorda e jogar uma pedra dentro do rio e mergulhar para ver quem pega a pedra lá embaixo.
Às vezes quando chovia eu fazia um barquinho de papel e jogava no rego da calçada, ele terminava adornando e era levado pela correnteza. Fazia também aviãozinho, empinava papagaios, com gilete no rabo, ou cerol na linha. Minhas irmãs faziam sombras com as mãos nas paredes, figuras chinesas, e falavam uma língua estranha,que só elas compreendiam Eu nunca consegui entrar no mundo encantado de minhas irmãs e primas. Uma vez vi um menino pobre, rico de imaginação inventar um brinquedo. Ele pegou uma lata de sardinha seca, fez um buraco com um prego e enfiou um cordão na lata e saiu arrastando o seu carrinho pelas calçadas. Vi também na cidade durante o Natal muitas árvores carregadas de brinquedo. Cheguei a pensar. Teria o menino Jesus fabricado pequenos brinquedos de madeira para seus irmãos?
Hoje muitos brinquedos estão fora da moda, descartados, caíram no esquecimento, são peças de museu e não nos distrai mais da realidade do cotidiano, até por que os brinquedos acompanham o desenvolvimento tecnológico. E estamos em outros tempos, globalizados. Mas cada vez mais acuados. Nos velhos tempos as brincadeiras precisavam das ruas como cenários. Cadeiras nas portas. Cirandas.
Os meus brinquedos eram do tempo dos dinossauros. Os meninos de hoje podem até ter curiosidade por eles. Apenas curiosidade de turista do tempo descendo galerias do passado. Se bem que atualmente os dinossauros são um tipo de brinquedo do mundo animal, graça a importância de Holywood na formação do imaginário infantil ocidental.Os brinquedos estão nas telas dos computadores, da televisão e adquiriram dimensão global.
Acredito que os tipos de brinquedo e brincadeira do século passado que nos divertia plasmou as nossas biografias. O brinquedo educa. Hoje as diversões são outras, os mitos mudaram os ritos se esfacelaram Os brinquedos antigos falavam uma língua bem diferente. Pergunte a um menino de hoje se ele conhece a tabuada. Não conhece. Ele prefere brincar com a máquina de calcular. Claro. A máquina não precisa das provas dos nove. Mas saber a tabuada de cor é uma das bonitas brincadeiras da matemática. Para terminar meu jogo de palavras cito Ítalo Calvino. “ Não devemos esquecer que os jogos, dos infantis aos dos adultos, têm sempre um fundamento sério: são sobretudo técnicas para treinamento de faculdades e atitudes que serão necessárias na vida.” E isso aí.
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Geraldo Borges contribuindo para o Museu da Criança, invenção do Cinéas Santos.
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