quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Num-se-Pode



Edmar Oliveira

Quando eu cheguei na Teresina da minha meninice a luz elétrica já iluminava a cidade. Não cheguei a ver os lampiões de gás que clareavam as ruas do passado. Mas eu me lembro da "Num-se-pode". Na praça Saraiva, nas ruas do Barrocão, quando a noite caía, ela podia estar por perto. Qualquer vulto branco no lusco-fusco das esquinas podia ser a assombração. E certamente acontecia assim: ela chegava como moça bonita, vestida de branco e se aproximava pedindo um cigarro. Pegava o cigarro e crescia para acendê-lo no lampião, enquanto gritava "num-se-pode, num-se-pode, num-se-pode!!!" - e diante do assombrado petrificado pelo medo, desaparecia na noite escura. E embora já não existissem os lampiões e nem eu fumasse, morria de medo de acontecer comigo.

O fantástico da lenda era a sua não explicação misteriosa. Não se pode saber de nada que aconteceu com a moça. Não se pode perguntar, que o mistério é ser oculto. Não se pode falar nada, apenas oferecer um cigarro. Não se pode saber nem o que motivou a lenda. Ela acontecia naquele instante e pronto. Era um medo do imediato que não tinha prenúncio, a não ser o próprio medo acontecido. Não se pode não acontecer com você também...

Lembro que quando comecei a fumar, nas noites escuras, sob a mortiça luz da rua, nos desenhos feitos na etérea fumaça do cigarro, que se enrolava no branco transparente do vestido e subia em direção a luz do poste, eu sentia a "Num-se-pode". E me assustava sem nunca a ter visto...

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ilustração: Cibelli Rocha para Fundação Monsenhor Chaves, Pi.

Um comentário:

Reginaldo Gomes disse...

KKKKK! Sensacional, Sempre lembro dessa lenda.