quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O Choro do Menino

Geraldo Borges


O menino chorava.
- Rosa vai ver o inocente.
- Deixa chorar.
- Não, meu bem, vá, Eu fico esperando.
A mulher estava sentada comigo à beira da cama. Já eu tinha tirado a camisa e os sapatos. Ela a blusa. Era uma jovem. Ainda adolescente.
- Por que você não fica alegre?
Nem sempre temos noção de nossa falta de tato. Eu estava fazendo uma pergunta estúpida. Qual seria o motivo de ela estar contente? Não seria por estar comigo, ali ao seu lado.
- Pode ir, meu bem. Eu te espero - repeti.
Um estranho, como todos os demais que a procuravam. O menino, recém-nascido que estava no quarto de sua prima, berrava nos cueiros. Quem era o pai, não sabia.
- Rosa. Vai ver o menino.

Ela levantou-se. Vestiu a blusa. O rosto tranqüilo, mas triste. Uma tristeza de ser obrigada a aceitar o seu destino. Saiu. E fechou a porta atrás de si. Eu fiquei só, dentro do quarto. Só, não. Fiquei com os meus pensamentos, fantasmas da concupiscência, que logo tomaram outras dimensões, entrando em novos planos. O calor aumentava. Através do telhado vinham raios de sol, focalizando por cima da cama. Observei o quarto, um guarda-roupa, vestidos pendurados num cabide, uma penteadeira, cosméticos, pente e outros objetos de maquilagem. Em cima do guarda-roupa, uma banheira para criança. Parece que eu já estava cochilando. A porta rangeu e o aposento ficou mais claro. A mulher entrou, apanhou a banheira, disse:
- Vou banhar o menino – falou sorrindo e saiu de novo.

Seu sorriso me deixou mais compreensivo. Talvez mais humano. Comecei a gostar da prostituta. Uma onde de ternura invadiu-me. Havia uma nova mulher no seu rosto. O menino, ela me havia dito antes, ainda não tinha nome. Veio-me a vontade de pedir que desse o meu nome à criança. Eu queria deixar aquele momento com uma lembrança inesquecível.

Por fim, eis que Rosa está de volta. Para o sacrifício, para ficar debaixo do homem, o holocausto voluptuoso que se sucede noite após noite, na vã esperança que sua vida oferece. Sentou - se à beira da cama. A mesma imagem de tristeza. Parece que estava ali há muito tempo e eu nem mesmo o passado recente acontecera. Era quase uma estatua... Tentei dar-lhe um beijo na boca. Ela olhou mansamente, virando a cabeça para um lado: a parede. Era como se já me conhecesse de muito tempo e soubesse que eu não valia nada; mas, de qualquer maneira, infelizmente, precisava de mim. Beijei-a de leve apenas nas faces e nos ombros magros um pouco caídos. Ela não sentiu repulsa. Mas, em verdade, havia uma grande indiferença, tão grande que me deixava ainda mais triste. A única coisa que nos aproximara, por alguns momentos fugitivos, fora mesmo a criança.

Tirou de novo a blusa. Abriu o ri-ri da saia, deixando ver a calcinha de seda preta. Passei o meu rosto pelo bico dos seus seis, estes inflaram-se. Ela tinha pressa em desnudar-se Tirou a saia. Ficou esperando que eu tirasse a minha calça. Via-se que não era ainda bem acostumada no oficio. Havia vestígios de pudor nos seus gestos quase de menina. Esperava talvez, que eu ficasse pelado completamente, que tirasse a última peça do corpo. Como eu demorasse, atinou:
- Vamos depressa, por que a criança pode chorar.
Ela estava preocupada com o menino. Havia deixado no quarto da prima.
- Meu bem, vamos deixar pra outro dia, sim? Guarde este dinheiro para você. Não repare. A criança pode começar a chorar a qualquer momento. Não é mesmo? Eu apareço por aqui outro dia. De noite.
- Sim. De noite a criança não acorda.
Levantei-me. Vesti-me e calcei os sapatos.

Saí pensando em retornar ao quarto de rosa. Acho, porém, que é melhor não ir mais lá.

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Do livro "Ô de Casa", Teresina 1977.


Este conto, com que tive contato em 70, marcou na minh'alma a sensibilidade do Geraldo Borges, coisa não muito comum nos companheiros de aventura na terra. Se hoje ele parece anacrônico, de fato está enterrado no passado, os da minha geração sabem ao que me refiro. Mas o Piauinauta, no seu lugar sideral, numa dobra do tempo, rememora a beleza de uma época dura para nossa sexualidade. A droga e rock eram mais acessíveis...


A foto é Geraldo nos 70 e poucos. Assai Campelo na sua Assai Pentax fez o flagrante. Não sei se Geraldo escreve ou vive o conto. A rede pode ser percebida, o choro do menino não... (Edmar)

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