quinta-feira, 2 de outubro de 2008

As Cidades do Rio


Geraldo Borges, o Eremita do Pantanal, esteve em férias na Cidade Maravilhosa. O Piauinauta levou Geraldo para conhecer o Rio. o Eremita ficou encantado com a Floresta de Tijuca, floresta artificial plantada por Pedro II. E lá do alto compreendeu a tese do Piauinauta de que o Rio de Janeiro se divide em muitas cidades. Entre elas, a Cidade Visível (ali atrás do Geraldo), cartão postal, "cidade lavada" no dizer de Geraldo; a Cidade Invisível, o grande subúrbio carioca, feio, mal cheiroso, super populoso, deficiente de saneamento e insalubre. Para a Cidade Invisível, Chico Buarque, na música Subúrbio, diz que é pra onde o Cristo Redentor fica de costas...


_____________________________

O texto publicado abaixo é só para os mais íntimos, os que quiserem prosear com o Geraldo, o que é uma delícia. Claro que é longo e não interessa a muitos leitores desta folha. Mas para os que conhecem o Eremita, piauinauta do Pantanal, é apenas um dedo de prosa (Edmar).
________________________________


VIAGEM AO RIO


Geraldo Borges



Voltei para casa. Agora vou contar o que vi e senti por onde andei. Estive no Rio de Janeiro.
Ao chegar ao Santos Dumont durante o pouso, olhando a paisagem da janela, fiquei encantado com o mar e as montanhas, a ponte e a Baia da Guanabara. Desci. Como vinha apenas com bagagem de mão, saí direto para o pátio do aeroporto. Passei mais ou menos uns dez minutos esperando o Edmar.
Enquanto isso uma moça acercou-se de mim e me perguntou se eu queria um táxi. Disse-lhe que não. Estava esperando um amigo.
Foi então que o Edmar apareceu. Saímos em direção ao estacionamento.
Lá pegamos o carro. Era precisamente quatro horas da tarde. Para sair do estacionamento tivemos que pagar seis reais. O carro não ficou lá nem vinte minutos. Edmar aproveitou o percurso para casa para me mostrar à orla marítima. A cidade dos ricos que fica visivelmente bem edificada, limpa, a poucos passos das praias, à sombra dos morros, e sob ameaça constante de devastações. O tempo estava nublado e não vi o Cristo Redentor. Mas ele me disse que o Cristo fica de braços abertos para a cidade limpa, lavada, dos ricos. E dá às costas para os subúrbios, os bairros da zona norte. Não muito longe de casa paramos em um bar de nome Carioca Nordestino. De um amigo do Edmar
Lá bebemos algumas cervejas e comemos um cozido de bode que nem cachorro come, quer dizer, não tem sobra. Limpamos até o fundo do prato. Aproveitei e comprei uma edição de cordel de Chico Salles e um CD de Roberto Salles, que é o dono do bar. Edmar me disse que tinha feito um cordel para o dono do bar. Mas não sabia de cor. Pois não é que o agraciado com o cordel sabia a peça decorada. E ali mesmo em nossa presença bebendo cerveja recitou todo o cordel. Fiquei impressionado. O tema do cordel era triangular. Três personagens: a senhora do dono do bar, dona Iracema,,o auxiliar, o garçom, e o Roberto Salles. Mais o autor do cordel dizia que se não fosse os dois personagens, o Roberto Salles estava ceguinho. O bar não andava.
O cordel é elaborado de uma forma tão jocosa que agrada a todo mundo, de modo que encontra - se afixado em uma das paredes do bar exposto a leitura. Isto tudo aconteceu quarta feira, dia 10.
Quando chegamos já era de noite. Dei um abraço na Marcelina. Tirei uma bolsa da sacola e lhe entreguei. Era um presente que a Fátima mandava para ela. Passei-lhe também alguns cachos de pimenta o reino in natura tirados do nosso quintal em Campo Grande. E também um pacote e farinha seca de mandioca. Para o Edmar trouxe de presente a biografia de Lima Barreto. Conversamos um pouco. Depois Edmar me arranjou no andar de cima de seu apartamento um canto para eu dormir.

.
Quinta feira. Acordamos com um pouco de ressaca. E combinamos fazer uma visita ao Benoni. Aventei ao Edmar que seria bom ligar para ele a fim de avisá-lo. Edmar retrucou. Achou melhor a gente fazer – lhe uma surpresa. Tudo bem. Eu estava na dúvida se ele morava em Casimiro de Abreu ou Rio das Ostras. De manhã cedo saímos. Cruzamos a ponte Rio - Niterói. Treze quilometro de extensão, até chegarmos do outro lado. Dentro do carro Edmar ia me dando informações sobre a cidade. Deixamos a zona urbana, alcançamos a suburbana, aí entramos na área rural. Víamos apenas quintais e grandes extensões de terras cobertas de verde E mais além as curvas dos morros da serra do mar.. A única atividade econômica que vimos foi à criação de gado.
Não demorou muito tempo após passarmos um pedágio chegamos a Casimiro de Abreu. Restava agora sabermos se o Benoni estava residindo ali mesmo. Entramos em um restaurante para almoçarmos. E perguntamos ao dono se ele conhecia alguma pessoa com o nome de Benoni, que trabalhava na prefeitura da cidade. Ele solicitamente ligou para a prefeitura e falou com alguém do departamento de pessoal., Verificaram. Não. Na prefeitura não trabalhava nenhum cidadão com este nome. Foi, então, que eu dei o telefone do Samuel para o Edmar confirmar onde ele trabalhava mesmo. Ele falou que era no Rio das Ostras. No foro da cidade. Anunciamos que estávamos indo fazer uma visita a ele. Samuel disse que esta não era a melhor hora de fazer-lhe uma visita. Seria melhor de manhã cedo. Não ligamos para isto.
Depois de terminarmos de falar com o Samuel, pagamos a conta de nosso almoço. E resolvemos seguir até Rio das Ostras.
Era mais ou menos uma hora. Não demorou muito chegamos. Edmar deu uma volta pela cidade, que vive em parte de turismo. Pois tem uma orla marítima bem cuidada. E recebe dividendo por conta do petróleo. Nos informamos onde era o foro, e rumamos para lá. Edmar ficou dentro do carro. Temia que fosse barrado na entrada por que estava só de bermuda. Chegou a hora da surpresa. Não via a hora ver o Benoni e lhe dar um abraço. Na recepção perguntei por ele. Uma moça me falou que trabalhava na terceira porta, seguindo o corredor à direita. Cheguei até lá empurrei a porta. Vi algumas pessoas em uma sala de audiência. Eu tinha batido na porta errada. Voltei à recepção a moça me informou de novo. Não era à direita era à esquerda. Entrei. Procurei pelo Benoni. Não estava lá. Um funcionário muito gentilmente me falou que eu passeasse pelo corredor olhando todas as portas fechadas, e caso visse uma bengala de lado, podia abrir a porta que ele estava lá dentro. Pois nunca entrava com a sua bengala em qualquer sala do tribunal, Cumpri regularmente a sua informação. Não encontrei a bengala em nenhuma porta, muito menos Benoni. Voltei onde estava o funcionário que, por incrível coincidência, também estava usando uma bengala. E de certo modo tinha um pouco de parecença com o Benoni. Isso me deixou meio atrapalhado. Pois na hora que entrei pensei até que fosse o próprio Benoni. A única diferença é que o Benoni, agora fala meio engrolado por causa do derrame que teve. O funcionário prometeu me ajudar a encontrar o Benoni. Perguntou se eu tinha o telefone dele. Eu disse que tinha. Achei estranho ele não ter o telefone do próprio colega; Dei o telefone. Ele ligou. Mas ninguém atendeu. Feito isto, perguntou aos seus outros colegas se alguém tinha o endereço dele. Uma funcionaria, virou-se e disse, ele mora no cemitério. Outro pegou um caderno, folheou e disse: está aqui a endereço dele. Por cima do novo endereço havia um velho, riscado. É que ele morara em outra casa, muito boa, uma espécie de pousada que ela alugava da Zelma, uma amiga do Edmar. O funcionário copiou o novo endereço e me deu.
Rua Joana Antunes 81. Bairro Palmital. Próximo ao Colégio Maria da Penha.
Deu-me as coordenadas do bairro. Agradeci e sai. O Edmar já tinha saído do carro e me esperava no jardim do foro. Falei que não tinha visto o Benoni. A única pista que tínhamos era o seu endereço..
. Quando já estávamos quase fora da cidade, paramos num bar e perguntamos a um velho que estava bebendo cerveja. Se ele sabia onde era Palmital. Disse para seguirmos em frente e dobrar não sei onde, e depois viramos para a esquerda. Estava tudo errado. Para nossa sorte uma garçonete que ouviu a história disse que morava lá. E nos ensinou direito. Tivemos que voltar. Passamos em frente ao foro. Rodamos bastante. Até que dobramos um cotovelo da estrada e entramos em uma rua aglomerada de casas quase em ruínas. Não vi uma viva alma na rua, nem mesmo cachorro e gato. Era como se tivéssemos entrado em uma cidade evacuada. Até que em fim apareceu uma pessoa, e perguntamos se ela conhecia a rua que estávamos procurando. Ela apontou com o dedo e disse é lá mais em cima, dobrando ali.
Chegamos lá, ficava em uma viela. Antes de sairmos do carro vimos duas pessoas e um cachorro preto que saiu correndo para mim. Passei a mão em sua cabeça, ele se acalmou. Saímos do carro, perguntamos as pessoas se o Benoni estava em casa, não souberam dizer. Tocamos a campainha. Ninguém atendeu. Insistimos. Nada. Aí notamos que no terraço havia um cachorro deitado. Ele nem ao menos levantou- se.
A casa passava uma impressão de que estava abandonada. Foi então que vimos escrito no muro uma frase.
Aqui mora o Benoni.
O Edmar resolveu então telefonar para ele. Identificou-se. Ele disse que não se lembrava de ninguém com este nome. Edmar falou que estava na frente de sua casa com o Geraldo Borges. Ele não acreditou. Edmar passou o telefone para mim. Falei com ele. Disse – lhe que desejaria vê-lo. Ele se fez de desentendido. Tudo levou a crer que ele não estava interessado em ver a gente. Disse que a linha estava ruim. E desligou. Liguei de novo. Ele atendeu. Disse que estava no banco do Brasil. Falei novamente que gostaria de vê-lo. Não expressou nenhum entusiasmo. Desligou de novo. Liguei pela última vez. Ele falou que não estava a fim de ver a gente. Desistimos. E assim em vez de fazermos uma surpresa ao velho amigo Benoni, foi ele quem nos surpreendeu.
Por ultimo ainda pensamos em pernoitar em uma pausada e deixar um recado: se quisesse nos ver fosse ao nosso endereço. Mas desistimos e voltamos para o Rio. Desta vez pelo litoral, a região dos lagos. Vimos muitas mansões com seus quintais para o mar. Coisa de gente rica. A viagem foi mais rápida. Pois agora estávamos em auto - estrada com pedágio, às sete horas, por ai assim estávamos cruzando a ponte Rio – Niterói. Sem entender a nossa aventura.
. Para terminarmos a quinta feira paramos no bar Carioca Nordestino Contamos nossa história para o dono do bar. Depois comemos uma carne seca daquelas tradicionais do nordeste, regada a cerveja. Ao chegarmos em casa tentamos esquecer o episódio. Mas não o esquecemos.


Sexta feira de manhã fomos a Floresta da Tijuca ali no meio da vegetação luxuriosa, das pedras, das cachoeiras, vi artistas pintando quadros bucólicos e aquarelas. Ouvi um motorista de táxis se dirigindo a um bando de turistas em espanhol. Caminhamos bastante por trilhas que nos levaram a sítios encantadores. Tudo bem tratado e preservado. Observei muitos tipos de árvores transplantadas da Europa, Fomos a um mirante, onde observei a cidade na orla marítima, limpa, lavada. O cartão postal do Rio, a famosa zona sul. Vi o bairro da Urca, a Praia Vermelha, o Corcovado, o Pão de Açúcar, o Forte de Copacabana. Tudo lá do alto. De outro mirante, noutra posição geográfica, vi os bairros distantes do mar, a zona norte, o subúrbio para onde Cristo dá as costas.
Uma moça abordou o Edmar e pediu que ele tirasse a fotografia dela juntamente com outra colega. Foi tudo muito rápido. Ela entregou a máquina para o Edmar, ele focalizou, clicou. E pronto. Estava fisgada a recordação do momento. E destes flagrantes que se constitui a memória dos turistas.
Na saída da Floresta da Tijuca, passamos pelo bairro de Santa Teresa onde ainda existe o bondinho. É um lugar pitoresco encravado no declive de um morro, cheio de favelas, que amedrontam os seus moradores. A maioria dos residentes do bairro são artistas plásticos. Muitas casas estão expostas a venda ou para alugar, pois a população vive com medo de quem está em cima do morro. A paisagem urbana está um pouco arruinada, velhas casas de arquitetura antiga mal - cuidadas dão um ar de abandono. Passamos por um local onde os turistas pegam Helicópteros para ter uma visão panorâmica da cidade. Como não tínhamos condições de pegar este objeto voador, ficamos satisfeito com os mirantes.
Depois que saímos deste local, pegamos o bairro Laranjeiras e nos direcionamos para o centro. Não me lembro bem o que fizemos depois. Acho que almoçamos em algum lugar. Tudo que estou escrevendo aqui é uma tentativa de recordar o meu passeio ao Rio de Janeiro. Claro que não vai sair tão claro como uma fotografia. Uma hora por outra tenho um branco. Mas juro que não estou inventando nada. Tudo é lembrança. Mas se for preciso inventar, inventarei. Pois toda lembrança já é uma invenção. Não é mais uma realidade. Não me lembro bem o que se passou no resto da tarde. Penso que voltamos ao bar Carioca Nordestino e comemos outra carne seca.

De noite, já em casa, tomando cerveja, Edmar telefonou para o Chicão e me passou o telefone. Conversei com ele. Ele tinha estado há poucos dias no Rio de Janeiro, com o Edmar. Quase nos víamos, se eu tivesse chegado mais cedo. Prometi a ele que irei a Brasília fazer-lhe uma visita. Ele me deu seu telefone. Vou cumprir a promessa. Edmar também telefonou para o Pereira, pediu para ele convidar o Galvão para a gente se ver amanhã na Casa Lima Barreto. Pereira disse que ele não se preocupasse. O Galvão compareceria. Depois o Edmar telefonou para o Edilberto e disse que eu esta na casa dele. Não demorou muito ele apareceu. Está do mesmo jeito, mudou apenas o formato da barba. Antigamente era um cavanhaque, mais espesso. Agora está mais completa, tomando toda a face do rosto. Foi uma alegria vê-lo. Minutos depois chegou a Oceanira. O Simão da casa Lima Barreto também apareceu e ficou impressionado vendo a gente comendo farinha. Ficamos bebendo e conversando até tarde da noite. Só não foi melhor por que uma hora por outra a conversa derrapava para assuntos de trabalho, e nós estávamos ali para nos congratularmos. Era um momento de festa e não para nos preocuparmos com as coisas do trabalho, os ossos do ofício. Bebemos até dizer chega. Quando nos despedimos, Edilberto nos convidou para irmos domingo almoçar na casa dele

.
Sábado, de manhã levantei cedo. Tomei um banho frio para despertar. Desci para tomar café. Lá embaixo encontrei a Marcelina na cozinha fazendo cuscuz de milho. De repente o cheiro da massa cozinhando me levou para as ruas de Teresina e eu ouvi o pregão do vendedor de cuscuz ideal.
Depois do café saímos, eu e Edmar para o centro da cidade. Edmar me mostrou a casa onde morava Deodoro, na praça da Republica e me disse que o Marechal proclamou a República de pijama montado em um velho pangaré. Depois fomos à residência do Imperador, onde hoje é um museu. Entramos. Ele me mostrou muita coisa, inclusive uma exposição de artistas plásticos com temas variados. Fomos a uma livraria dentro do Museu. Lá comprei um romance – Os Cus de Judas - de Lobo Antunes. Depois fomos ao espaço cultura do Banco do Brasil, o velho prédio do tempo do Imperador. Prédio imponente. Ali dentro me senti miúdo olhando para o teto e para o seu pé direito. Havia uma livraria lá. Aproveitei para comprar um livro sobre Kafka – Sonhador Insubmisso - de Michael L6wy, que um amigo meu de Campo Grande me havia encomendado. Comprei também para o meu gasto – a Cidade das Palavras - de Alberto Manguel.
Depois fomos para um Sebo e lá Edmar comprou alguns livros muito bons. Entre eles – Sóror Juana Inez de La Cruz: As armadilhas da fé.- de Otavio Paz
Ficamos vagando pelos pontos turísticos do centro da cidade até que chegou a hora de almoçarmos. Mais tarde iríamos para a Casa Lima Barreto, como tínhamos combinado com o Simão. Almoçamos um bode acompanhado de arroz com brócolis e batata, comida portuguesa, bem diferente do bode sertanejo com caldo e leite de coco. Fizemos um pouco de hora tomando chope. Quando chegamos a Casa Lima Barreto as mesas estava quase todas ocupadas. Encontramos ao fundo um lugar vago e nos sentamos. Um garçom nos veio atender, e nos entregou cardápios. Pedimos cerveja. O Edmar telefonou para o marido da Ana, ex - mulher do Torquato Neto. Não demorou muito ele apareceu. Abriu o cardápio que estava em cima da mesa, pediu uma cerveja e um tira - gosto de frutos do mar.Logo mais as apresentações musicais começaram. Muito alto. Ninguém podia conversar, a não ser aumentado o volume da voz.
Foi aí que de repente chegou o Galvão e o Pereira. Aí saímos da Casa e fomos para uma quitanda na esquina do mesmo quarteirão onde estávamos. Sim. Uma quitanda. Ainda existem quitandas no Rio de Janeiro. Tinha muitos fregueses sentados ao pé do balcão. Não encontramos cadeiras. E ficamos plantados ao lado da porta tomando a nossa cerveja e conversando. Eu falei. Bem que o Patrimônio Histórico Nacional podia tombar as bodegas, digo as quitandas. Não foi á toa que o comercio dos portugueses de secos e molhados começou com as bodegas. O Português botava seu armazém no piso, em baixo, e morava em cima, e assim se foi constituído o comércio interno na história do Brasil. De forma que as bodegas são as primeiras células do que viria ser mais tarde os super mercados e os shops da vida que viram templos do consumo. Dito isso. Confirmo. As bodegas fazem parte do patrimônio histórico brasileiro. Passamos um bom tempo conversando, recordando velhas lembranças da infância.
Resolvemos, então, voltarmos para a casa Lima Barreto. Lá nos acomodamos em um lugar perto da entrada. Pedimos cerveja e tira gosto. E ficamos até quando acabou o show, no qual brilharam Sergival, Carlinho e Dapenha. O marido da Ana, já tinha ido embora, Aconteceu durante o show um caso inesperado. Um dos artistas, que.no momento, não me lembro o nome, esqueceu o repertorio e não conseguiu recitar o seu poema. No mais todo correu as mil maravilhas. Cansados da nossa maratona cultural e etílica nos dispersamos e cada um voltou para a sua casa. Eu voltei para a casa o Edmar. Não me lembro como chegamos lá. De ônibus não foi. Alguém foi nos pegar. Deve ter sido a Marcelina


Domingo. Marcelina acordou com enxaqueca, vomitando. E não foi para a cozinha. Lembro-me que quando Edmar acordou fomos tomar café em uma padaria próxima a sua casa. Pagamos o café no caixa e fomos sentar em uma mesa para sermos atendidos. Esperamos um pouco. Demorou. De repente surgiu uma moça dizendo que a luz tinha ido embora e ela não podia nos atender. Voltamos ao caixa e nosso dinheiro nos foi devolvido.
Tivemos de procurar outra padaria. Três esquinas mais em frente encontramos uma. Fomos servidos: um pão cortado em duas fatias, besuntado de manteiga, tostado, acompanhado de uma xícara de café com leite. Saboroso. Depois voltamos para casa.
O trânsito estava tranqüilo, O bairro de Jacarepaguá, bucólico, muito verde, mata, riacho, rodeado de morros ao longe, me enterneceu. Agora teríamos de ir à casa do Edilberto. Marcelina não nos acompanharia devido a sua dor de cabeça.
Antes de chegarmos a casa de Edilberto Edmar recebeu um telefonema do Chico Salles dizendo que estaria no bar Carioca Nordestino com o Manuca. Não teve jeito. Fomos até lá. E passamos boa parte da manhã tomando cerveja e conversando. Manuca é um letrista famoso, por incrível que parece os seus interpretes não o conhecem. Foi o que ele disse. Gostei do camarada. Um menino de quarenta e cinco anos, como muita estrada na vida. Bem humorado. Toda vez que encontra - se com Elba Ramalho, tem de se apresentar a ela de novo. Na hora de irmos embora, na despedida, ele me chamou de Pedro e eu o chamei de Raimundo. Foi simpatia a primeira vista.
Chegamos finalmente a casa de nosso amigo Edilberto. Na porta já estava estacionado o carro do Zé Henrique. Paramos o carro, Saímos. Tocamos a campainha. Oceanira veio nos atender; e cobrou porque estávamos atrasados. Encontramos o Pereira. Só faltava o Galvão. Sinceramente não sei por que não compareceu. Conceição, sua companheira estava presente. Dei-lhe um abraço. Um churrasco ardia na brasa. Cerveja sobrava em cima da mesa. Oceanira me pegou pelo braço e me levou para conhecer a sua casa. Mais tarde apareceram pessoas que eu não conhecia. Logo mais estas pessoas que eu não conhecia com exceção da Ocearira se reuniram em uma mesa e começaram a jogar baralho. E assim a tarde passou. A gente bebendo, comendo carne e jogando baralho, até que anoiteceu e fomos embora.


Segunda feira. De manha cedo. Edmar me convidou para irmos ao Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro do qual ele é diretor. Gostaria de me mostrar como as coisas acontecem por lá. Estacionou o carro no pátio dentro dos muros. O local é uma área bem verdejante. Muitas árvores, muita sombra, e como o tempo estava chuvoso havia muito caramujos hibernando no meio da folhagem. Edmar me falou de sua gestão no hospital, da metodologia que está usando para o tratamento dos seus pacientes. Falou-me que muitos deles estão trabalhando fora sobre a sua responsabilidade. Levou-me em algumas casas, onde alguns deles moram. Observei tudo com interesse. Notei que ele é uma pessoa querida no Hospital. Todos lhe dão atenção
Andamos por vários pavilhões. Ele conversava com os doidos em pé de igualdade sem nenhuma postura superior. Contou-me vários casos de seus pacientes, maneiras de se comportar. Tomamos café, em uma dessas casas, feito por uma paciente, que adora a sua cafeteira. Depois me levou para ver o museu da Imagem do Inconsciente de Nise da Silveira. Na entrada vi instrumentos antigos da terapia psiquiátrica, máquina de eletro – choque, camisas de força. Sucatas que contam uma história de tempos sinistros na luta contra os doentes mentais. Na sala onde estão expostos as pinturas dos pacientes vi muitos quadros que me emocionam, a ponto de poder dizer, que eles nos transmitem tanta catarse quanto qualquer obra prima expostas nas galerias do Louvre em Paris, ou Hermitage em St Pertersburg, Vi também em resumo a história de Nise da Silveira gravada em uma cronologia desde o seu nascimento até a morte. Li um pequeno texto onde ela se recusa a ligar uma máquina de eletro-choque, quando um médico lhe ordena que o faça
Quando acabamos de ver todas as informações sobre Nise da Silveira Edmar me levou ao seu escritório. Uma sala simples com uma mesa, alguns objetos funcionais. Em cima da mesa uma edição em Francês de um livro de Nise da Silveira.. Em cima de uma estante havia uma escultura, a cabeça do Edmar, feita por um paciente. Era a copia fiel do modelo, que dizer do original. Saindo do escritório fomos visitar um pavilhão que tinha sido desativado e agora estava entregue a guarda municipal, Eu já estava um pouco cansado de descer e subir escadas.
Finalmente chegou à hora de almoçamos. Edmar falou que havia um pequeno restaurante no Hospital, onde os funcionários almoçam. E a cozinha era administrada pelos pacientes. Eles faziam a bóia e serviam. Edmar chamou a sua sub - diretora, uma moça bonita que estava respondendo por ele durante os dias eu que eu passei no Rio de Janeiro para almoçarmos todos juntos. Entramos no restaurante E nos servimos. Eles pesaram os nossos pratos, fizeram a conta, pagamos. E fomos nos sentar à mesa. A comida estava deliciosa. Depois apareceu, também para comer, um medico. Edmar já tinha – me falado dele. E me contando as suas inspirações extravagantes. Por exemplo, um projeto de colocar aparelhos de som embutidos nos ralos da cidade, para ver o comportamento das pessoas quando as gravações começassem a tocar. Simpatizei, com ele, pessoa tranqüila. Disse que estava justamente naquele dia, completando mais um ano de idade. Terminado o almoço. Tratamos de ir embora para casa.
Na saída quando Edmar pegou o carro vimos em cima do capô algumas pedras bem arrumadas paralelas a alguns ramos de palmeiras. Uma obra de arte. Não havia apenas no carro dele. Outros carros também estavam enfeitados. Edmar limpou o teto do carro com a maior naturalidade. Entramos no carro. Saímos. No caminho ele me contou que uma vez esta mesma coisa havia acontecido só que ele não tinha percebido. E ao chegar num posto de gasolina para abastecer o carro, o frentista viu a arrumação e perguntou se aquilo era feitiço. Edmar, disse que era. Sim. Era uma simpatia do paciente pelo seu medico.
Passamos pelo aeroporto para confirmar a hora de meu embarque para são Paulo. Pois eu tinha perdido o aéreo que a TAM tinha me dado. Chegando ao aeroporto confirmamos o horário da viagem.
Edmar me levou a Quinta da Boa Vista para ver o Palácio de dom Pedro Segundo. Mas não estava aberto às visitas. Entramos na quinta, vimos um lago muito bonito, vimos avestruz, veados. De volta passamos por uma alameda de sapucaias floridas. As sapucaias me remeteram ao terreno da minha infância. Nunca pensei encontrar pés de sapucaias na quinta da Boa Vista.
Na volta para casa entramos em um restaurante árabe para tomar um chope e comer uma kafta. Mais tarde Edmar telefonou para Marcelina se encontrar com a gente ali. Não demorou muito ela chegou. Estava saindo do trabalho. Já havíamos tomado uns três chopes cada um e comido cada qual a sua kafta. Pedimos outra kafta e outro chope. Marcelina pediu uma kafta. O garçom providenciou e disse que daqui a pouco fecharia o restaurante. Já havia tirado algumas toalhas da mesa e colocado as cadeiras em cima. Éramos os últimos fregueses. A palavra kafta não remeteu para Kafka. Iniciamos uma discussão,. O autor da Metamorfose era Kafta ou Kafka. Eu disse que era Kafta, talvez a quantidade de chope estivesse me induzindo ao erro. Edmar disse que era Kafka. Eu continuei dizendo que o certo era Kafta. Marcelina copiou os dois nomes. Em casa a gente tiraria a duvida. Pois eu havia comprado um livro sobre Kafka. Saímos do bar, que estava fechando e fomos para outro, onde continuamos tomando chope. Marcelina tomou um suco. Fui ao banheiro. Depois de urinar cheguei a conclusão que eu estava errado. Parece que ao tirar a água do joelho melhorei a minha memória, fiquei mais lúcido. E me convencia que Edmar estava certo. O nome do autor era Kafka. A situação já estava ficando kafkiana.
Saímos dali e fomos para casa. A viagem estava terminando. Terças feira, no outro dia, eu estaria voltando. Subi as escadas para o meu quarto, segurando no corrimão da escada. E comecei a arrumar a minha mala, com antecedência, a fim de não esquecer nada. De repente meti a mão num escaninho da mala e descobrir o aéreo que tinha perdido. Agora não tinha mais importância. Desci. Encontrei o Edmar na cozinha. Tomamos algumas doses de uísque. E conversamos um pouco. Não demorou muito subi para dormir.
Terça feira. Edmar me deixou na frente do saguão do aeroporto às onze horas. Não precisou entrar na área de estacionamento. Ele me ajudou a pegar a minha bagagem no porta - mala de seu carro. Nos despedimos. Eu já tinha me despedido de Marcelina, que ficou em casa.
Embarquei, antes do meu horário previsto. De dez em dez minuto sai avião da ponte aérea. Como o meu assento desta vez não era em uma janela, não pude ver de novo, na despedida, o mar, as montanhas, a Baia de Guanabara, se distanciando ao longe.. De São Paulo a Campo Grande foi um pulo. Fátima estava me esperando no aeroporto. Desci do avião. Sair do ar.


Agora estou em terra firme, relembrando a minha viagem. Claro que me esqueci de muita coisa, pequenos detalhes que poderiam enriquecer muito mais este texto.


Nenhum comentário: