domingo, 10 de outubro de 2010

BEETHOVEN ERA 1:16 NEGRO

Luíz Horácio



Representar o real e o imaginado. Isso é literatura. As literaturas africanas não cansam de representar o papel de criticas do real. Violência e miséria dão o tom.Haja paciência para encarar o mesmo cenário, as mesmas personagens e o surrado figurino. No entanto não se pode desfazer da imaginação dos escritores africanos, nisso eles são bons, o problema é a repetição. Ora a natureza, quando não é a seca é a chuva no papel de algoz; ora o ocidental invadindo território e cultura, e nesse passo tenta se mover a literatura africana, sem sair do lugar, indecisa entre o maravilhoso, o fantástico e o real. Mas nunca negando a imaginação desse grupo imenso de escritores africanos. A massa de adoradores é imensa, os africanos acumulam três prêmios Nobel, o de Nadine ninguém me convence do contrário, razões políticas em primeiro lugar; mas a este aprendiz essa literatura não comove. Temos, em nosso literatura, tudo que eles alardeiam como o seu melhor, dos grandes escritores às nossas misérias maquiadas.



Atenção: o espaço destinado ao fel do resenhista acabou. Ou não, tudo vai depender...



Beethoven era 1/16 negro, livro de contos da prezadíssima Nadine Gordimer, é de uma irregularidade invejável. Apresenta contos primorosos e alguns constrangedores. Mas tão constrangedores que o leitor não acredita sejam todos da mesma autora, larga o livro e se perde elucubrando metáforas que quem sabe numa releitura consigam justificar o lamentável conto.



Exemplos, exemplos, você deve estar exigindo, e com razão, bravo leitor. A eles então.



Na categoria conto primoroso,aquele que empresta nome ao livro.



O apresentador de rádio de um programa de música clássica anuncia: Beethoven era 1/16 negro.



Pronto! É dada a largada à corrida de africanos em busca de uma identidade.



"Houve tempo em que tinha negro querendo ser branco.



Agora tem branco querendo ser negro.



O segredo é o mesmo."



O conto traz a sinfonia da desordem social africana. Um professor universitário londrino viaja a uma cidade sul-africana em busca de eventuais parentes. Seu bisavô explorara minas de diamante em Kimberley e agora o professor voa em busca de sua porção negra. O leitor se verá frente ao vai e vem da vida do bisavô do professor. Este se depara com o enigma inventado por ele mesmo na tentativa de tentar ser um pouco negro: "E então eu venho de onde.O que é mesmo tudo isso".



Se você sentiu falta de uma interrogação saiba que não foi vacilo deste aprendiz. É assim que você encontrará no livro.



Mas por que esse conto é primoroso? Sei que você fez essa pergunta. Porque é repleto de simbolismo, de criatividade, um vôo suave da imaginação sobre um continente contraditório.



Agora, mas com todo respeito, paciente leitor, é chegado o momento do conto constrangedor. Solitária é o título. Você encontrará coisas assim: "Meu começo é a ingestão… Posso ter sido ingerida numa folha de alface, ou numa iguaria de carne crua moída que atende, acho eu, pelo nome de steak tartare… Às vezes, durante minha longa estada ali, havia a descida de algum líquido poderoso que se espichava prazerosamente por todo meu comprimento….Ondulando, estou partindo num elemento que também o faz, estou partindo para onde essa vastidão líquida poderosa vai - a natureza imbuiu em mim o conhecimento de que tudo se move para algum lugar - e talvez lá, onde essa força chegar, um de meus ovos ( todos nós temos um estoque dentro de nós, ainda que sejamos sozinha e nossa fertilização um segredo) encontre uma mosca transmissora que pouse numa folha de alface ou num belo pedaço de carne de um steak tartare."



Sinceramente, já corrigi redações de alunos do ensino médio, sim eles conseguem, que não ficam nada a dever.



Mas há que se buscar metáforas que legitimem o conto. Uma voz do além me avisa. Pois estou buscando…estou buscando.



Resumo da ópera: Beethoven era 1/16 negro é um livro de contos onde o apartheid está em primeiro plano. Do mesmo modo que a escravidão no Brasil não teve seu final com a assinatura da lei, e o preconceito, contra os pobres de todas as cores, é cada vez mais visível, na África o fim do regime racista deixou negros e brancos perguntando: "E então eu venho de onde? O que é mesmo tudo isso? ". Agora sim, com interrogação.



Quase encerro sem citar outro momento extremamente desagradável, primário, Gregor é o título do conto que apresenta uma barata como protagonista. Temos Nadine buscando seu momento Kafka e chega a Clarice Lispector. A Clarice e todo o tédio que essa enigmática e incensada autora de A paixão segundo G. H. consegue desfiar. Inimitável. Lamentar ou não? Eis a questão.

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