quinta-feira, 29 de maio de 2008

A Volta do Alienista Contemporâneo

Edmar Oliveira


Dessa vez a reclamação partiu do mestre Zuenir Ventura do alto de sua tribuna n’O Globo: “Uma Tragédia Previsível”[1] relata o drama no qual um maluco à solta, ainda por cima dirigindo, numa discussão no trânsito na Tijuca, acertou com uma barra de ferro um cidadão carioca que se encontra em coma no CTI. O mestre da escrita se pergunta porque o agressor tinha carta de motorista, porque não estava recolhido a um manicômio. Retorna à malfadada e temida “periculosidade” do louco. E fica implícita a solicitação da volta do Alienista Contemporâneo e que ele possa prevenir os crimes cometidos pela loucura...


No final do século XVIII, o Bruxo do Cosme Velho fez da vizinha Itaguaí o cenário para um drama que acometia a metrópole, no ainda novo hospício de Pedro II que já não dava conta da internação dos loucos da cidade. A limitada cidadezinha do interior tinha os ingredientes necessários para a crítica corrosiva n”O Alienista”. Machado mostra que o viés do diagnóstico psiquiátrico pode levar todos ao hospício. Mesmo com a advertência da profecia da literatura, Casas Verdes sem contas foram a única forma de “tratamento” aos transtornos mentais que proliferaram no país. Foi preciso chegar ao século XXI para que a Reforma Psiquiátrica, na obstinada luta de seus militantes, pudesse vislumbrar “Uma Sociedade Sem Manicômios”, no lema daquele movimento. Dispositivos substitutivos estão sendo implantados em todo o país, no lugar de leitos manicomiais que ainda são muitos, e há ainda uma luta em curso para afastar a “periculosidade” do louco e sua “iniputabilidade” pelo velho código penal. Na legislação vigente, o “louco pobre” é condenado à prisão perpétua nos Manicômios Judiciários e o “louco com direitos” é afastado das penalidades da lei e beneficiado com uma pena alternativa em tratamento. Este último caso pode ser o pleiteado pelo agressor no artigo em questão. Mas não é inventando novas Casas Verdes - e novos Alienistas para fazer uma prevenção e afastar os “periculosos” da sociedade - que vamos resolver a questão. Este erro Machado já mostrou magistralmente. A lei é que é anacrônica.


O crime não pode ser atribuído ao diagnóstico psiquiátrico. A penalidade não pode ser agravada ou atenuada de tal forma que desfigure as punições previstas nas leis. Uma sociedade que produz desajustados que agem como o agressor desse episódio não pode justificar o crime pela loucura suposta. Pessoas assim podem ser loucas, na maioria das vezes não são...

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[1] O Globo, 28/05/08
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E enquanto esses fatos acontecem, choramos a perda de dois militantes do Movimento da Luta Antimanicomial. O Professor Joaõ Ferreira, gigante João dos argumentos firmes mas generosos, nossa voz na academia conservadora, e Austregésilo Carrano, vítima da máquina manicomial, que em vida ousou doar seu corpo à obra, autor de "Cantos dos Malditos", que deu origem ao filme "Bicho de Sete Cabeças".


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