Geraldo Borges
Um dos melhores exercícios para principiantes ao oficio de escritor é escrever cartas. Pelo menos o cara que escreve cartas pode dizer que tem um leitor garantido. O missivista pode escrever muita coisa e exercitar a sua linguagem e se expressar em um estilo coloquial ou mesmo formal, de acordo com a sua índole. Assuntos para cartas é o que não faltam. É o corriqueiro, o cotidiano. Desde que o missivista seja uma pessoa curiosa, saiba explorar as noticias e tenha senso de humor.
O diabo é que hoje em dia com a velocidade dos meios de comunicação ninguém quer ficar esperando uma cartinha fechada. Pois atualmente basta um toque na internet e lá vai um comunicado para o amigo. Pronto. Um simples recado, um bilhete. É ótimo. Assim é melhor. E por conta disso, acredito que o volume de cartas em circulação está diminuindo progressivamente.
De minha parte continuo escrevendo. Uma vez escrevi para um amigo. Ele nunca me respondeu. Desisti de escrever para ele. Agora escrevo para personagens imaginários, inventados, de outras esferas. Talvez eu seja um dos penúltimos dos moicanos que ainda pega uma folha de papel pautada, coisa antiga e escreve obedecendo ao ritual epistolar.
Faço a carta. Conto as novidades. Que esta te encontre gozando saúde e felicidade. Capricho na letra, uma boa caligrafia, vai aqui uma redundância, kali em grego que dizer boa, vale muito para quem recebe uma carta, é sinal de consideração. Depois da carta escrita pego o envelope e escrevo o nome do remetente, o meu nome, domicilio, cep e no verso do outro lado do envelope escrevo o nome do destinatário acompanhado de seu referido endereço. Meto a carta dentro do envelope, aquele velho envelope verde amarelo Par Avion, que há muito tempo já deveria ter sido tombado ao patrimônio histórico nacional. Pois o nosso envelope verde amarelo azul e branco é uma bandeira, um símbolo de comunicação. Depois passo cola no beiço do envelope e lacro.
Vou aos correios. Entrego o envelope ao funcionário que está no balcão. Ele pergunta se é simples ou registrada. Simples. Vai mais rápido. Pega a carta e pesa, diz o preço. Sela. Ainda existem colecionadores de selo. E lá vai a carta para o meu correspondente imaginário. Semanas depois recebo a carta de volta, com um aviso carimbado no envelope: os correios não encontraram o endereço. Relendo o endereço notei que havia escrito para outro planeta. A minha necessidade de escrever é compulsória.
Continuou escrevendo para leitores imaginários, com a minha letra cursiva. Mas em tempos idos tive muitos correspondentes. Pois escrevo desde menino. Se tivesse guardado com mais segurança as cópias de minhas cartas remetidas e as originas recebidas, não as tivesse perdido em minhas viagens e mudanças, teria hoje um grande arquivo literário; ainda me restam algumas, raridades. Elas de algum modo vão me servir, com certeza, para levantar uma cronologia biográfica de minha vida. Acredito que cometi outra redundância. Não tenho nada contra redundância. Elas fazem parte da literatura, assim como os superlativos.
Cartas são meios de expressão que já tiveram o seu tempo de apogeu na história da literatura, principalmente durante o século dezenove e boa parte do século vinte. Muitos escritores fabricaram romances em forma de carta e a usaram também como componentes de seus enredos. E muitas pessoas famosas tiveram coragem de publicar suas cartas. Entre nós, na literatura brasileira, existem muitas cartas publicadas. Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Mario de Andrade. As Cartas Chilenas são exemplo de como um escritor pode usar de artimanha para se expressar e espinafrar autoridades incompetentes.
As cartas de Rilke poeta alemão, é um verdadeiro tratado de comunicação, onde o escritor, com a sua rara sensibilidade, coloca o seu ponto de vista sobre a arte poética. As cartas com toda a parafernália da comunicação do mundo pós - moderno não estão completamente descartadas. Continuam, oportunamente, sendo um exercício literário para o desafio de qualquer autor principiante, que deseja escrever e se comunicar, ter pelo menos um leitor.
Abraços ao meu leitor imaginário.
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