Geraldo Borges
Dar nome aos bois. Titular um discurso. Eis a questão. Às vezes o escritor tem a maior dificuldade de titular o texto. Não por falta de criatividade. São tantas as idéias subordinadas ao assunto principal que o autor vacila. Existem autores de soneto que para dar nome a sua obra colocam como cabeçalho o primeiro verso. Camões. Bocage, e até Fernando Pessoa usaram este artifício. O computador imita os clássicos. Também coloca como titulo de qualquer texto que não esteja intitulado a frase inicial do discurso.
O título é algo que já nasce com o texto e pode vir à superfície dependendo da sacada do autor, ou de quem leu o livro no original. No caso de tradução, há títulos que apresentam dificuldades quando precisam ser traduzidos. Às vezes o tradutor por conveniência, clareza, mantêm o titulo original, ou inventa outro. Citemos por exemplo: On the road de Jack Kerouac. Na versão brasileira continua com o mesmo titulo, já na tradução para o português de Portugal foi traduzido com o nome de Pela Estrada Afora.
O titulo às vezes pode ser a chave de uma obra. Ele nos ajuda a abrir a porta das idéias que estão no texto; muitas vezes o título pode ser apenas um apelo sensacionalista. Há títulos que antecipam o conteúdo da obra; outros dão relevo a uma personagem. Por exemplo: Dom Casmurro de Machado de Assis, este título é explicado no primeiro capitulo do romance, que se chama: Do título. Machado diz: 'Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentindo que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até o fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua'.
Millor Fernandes deu o titulo para a biografia, ou memórias de Danusa Leão - Quase Tudo. Se o espírito não me engana um dos romances de Clarice Lispector foi titulado por Carlos Heitor Cony.
Dificilmente um autor começa uma obra de ficção com o título já escolhido. Muitas vezes o autor entra por alguns desvios de imaginação no meio da obra e é levado não pelo seu pulso, mas por alguma personagem que lhe quer mostrar que é a própria dona de sua história. Tal capricho pode subverter a idéia de dar nome aos bois. Acontece, então, que depois do romance pronto, com um novo exercício de leitura, de releitura o título venha à tona, salta aos olhos, entre as linhas do texto.
Tem mais, hoje em dia, com a febre dos romances best seller, um título pode ser um mero chamativo, uma etiqueta de um artigo na vitrina, um selo aprovado pelos críticos e os editores. Quem não se lembra do romance Ardente Paciência do escritor Antonio Skarmeta. Nas primeiras edições correu o mundo com este nome, que não foi nem preciso traduzir para o português. Ardente Paciência em português como em espanhol é a mesma coisa. Vai que um dia o romance foi filmado. E eis que os dois personagens mais importantes do enredo determinam o nome do filme. O Carteiro e o Poeta. Muito mais bonito que o titulo original do romance. Por isso mesmo o livro passou a ser reeditado com o novo nome. Sutileza do mercado. O cinema influenciando a literatura.
Os autores americanos da chamada geração perdida gostavam de titular seus romances com versos de poetas clássicos ou com versículos da Bíblia. Todo mundo conhece o romance de Hemingway – Por Quem os Sinos Dobram. O título foi inspirado nos versos do um poema de John Donne. E o título do romance - Absalão Absalão de Faulkner saiu das páginas de Bíblia, assim como o de seu outro romance – O Som e a Fúria saiu dos versos de uma peça de Shakespeare. O título do romance - Rio Subterrâneo, de OG Rego de Carvalho, saiu das páginas do romance de Lawrence Durrel chamado - O Quarteto de Alexandria muito lido pelos intelectuais da década de sessenta.
Há títulos e títulos. Além de títulos de romances, títulos de capítulos, títulos de fachada, títulos honoríficos, medalha de lata, títulos de tabuletas. E para terminar convido o paciente leitor para mudar o título de minha crônica, caso o tenha achado muito elementar. Pois o título não diz tudo e às vezes não diz nada.
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Geraldo Borges, o Piauinauta do Pantanal, ataca num delicioso texto sobre texto e título, dizendo tudo entre estes pequeninos detalhes que fazem a diferença...
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