Luis Horácio
O farol. A razão, o sentido, a utilidade da solidão.Meu avô me deu isso. Nunca esqueci. Hoje, finalmente, me trouxeram ao farol. Insisto desde meu aniversário de oito anos, um ano implorando. Sei que dentro do farol vive um homem.Um homem triste, ele me chama.A tristeza não suporta a solidão. A solidão faz com que ele tenha um gato.Um gato como companhia. Ele fala com o gato? Sei que os gatos costumam conversar com o vento, não gosto de gato. Será que ele consegue ser feliz? Não, não me interessa a felicidade. E se for feliz, o que importa? Feliz e solitário. O que é um feliz solitário? Sou criança e criança não deve se preocupar com felicidade. Meu avô também me deu isso.
-Você.
Um grito vindo das minhas costas, um grito com vento.
-Você mesmo, garoto. O que você está fazendo aqui?
-Vim com minha mãe e o meu avô.
-Fazer o quê, o quê…o quê neste fim de mundo?
-Seu gato está comendo um bicho, acho que é um passarinho.
-Não se meta.Onde está sua mãe?
-Lá embaixo, com meu avô.
-Por que vieram?
-Eu pedi.
-Pra quê?
-Seu gato está comendo outro bicho, você não dá comida a ele?
-O gato não é meu. Daqui a pouco vai escurecer.
-Quero ver, de noite o farol vira farol de verdade.
-Vem cá. Senta. Vou contar uma história que se deu comigo. Eu tinha sua idade, uns dez anos mais ou menos, acertei? pois é. Naquele dia eu estava brincando com um carrinho quando a ambulância veio e levou meu pai.Pra nunca mais, não quis olhar quando o arrastavam e ele gritava.Não olhei, mas os gritos traziam as imagens. Ele tinha uma doença, não reconhecia ninguém, só chorava, chorava e gritava alto, muito alto. A doença, garoto, como é seu nome?, ah Luíz, pois a doença Luíz é pior, muito pior que a morte. Pior que não ter pai é ter um pai que não está vivo tampouco está morto. Eu tinha a sua idade. Às vezes acho que ainda tenho aquela idade, a idade de quanto fiquei sem pai. Seu pai, por que não veio?
-Não tenho pai.
-Morreu?
-Não, foi embora.
-Sente saudade?
-Curiosidade. É a mesma coisa?
-Pode ser.
-Ele foi embora antes de eu nascer.
-Você sabe por quê?
-Tinha modo que eu nascesse aleijado.
-Por que não esperou?
-Não me pergunte.
-Vamos procurá-lo?
-Como?
-Com o farol.
-Não, não quero. Ele sabe onde eu vivo e nunca me procurou.Ele não quer ser pai. Você vive sozinho aqui,não casou?
-Sou velho, velho tem que viver só.
-Mas antes você era novo.
-Você se engana, garoto, sempre fui velho. Você, você nunca envelhecerá. Como é o nome de seu pai? Talvez eu conheça. Mas como sua mãe botou em você o nome do cara que não quis ver o filho? Vamos trocar seu nome. De agora em diante vou chamá-lo de Gabriel.
-Não, isso é nome de anjo e anjo não serve pra nada. Anjo é só decoração. Também foi presente de meu avô.
-Vamos ver…vamos ver…. Wagner, você gosta de música? Sua mãe é pianista, veja só.Está escurecendo.
-Você não respondeu minha pergunta. Nunca casou.
-Casei, não deu certo. Vamos mudar de assunto? O que você mais quer, o que o faria feliz nesse momento, aqui, agora?
-Aqui, agora? eu queria chorar.
-Por que não chora?
-Como é seu nome?
-Luíz, se escreve que nem o seu. Sua mãe seu avô estão vindo. Tenho que entrar. Você voltará?
-Me convida, eu volto. Posso levar o gato?
-Não é meu.
-Antes de eu ir, diga o que você mais quer, o que o faria feliz nesse momento, aqui, agora?
-O que mais quero...o que mais quero...tempo!
Regressamos, apenas meu avô falava durante o trajeto. O gato continuava comendo um bicho, um passarinho. De onde ele tira tanto passarinho?
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