domingo, 17 de julho de 2011

Céline: Viagem ao Fim da Noite

Luis Horácio
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O ministro da Cultura, da França, atendeu o pedido da Associaçào de flilhos e filhas de judeus deportados e retirou o nome do escritor Louis-Ferdinand Céline das Celebrações nacionais 2011.A razão para tanto: anti-semitismo virulento. Não há como negar essa faceta de Céline, seus panfletos ignóbeis são indesculpáveis.

Por outro lado, Henri Godard,professor emérito da Sorbonne e um dos maiores especialistas da obra de Céline classificou a decisão do ministro Frédéric Mitterrand como uma forma de censura. Mais uma vez a polêmica embala um episódio celineano.

Louis-Ferdindand Céline, médico de formação apresenta em sua obra o homem próximo a uma besta sofredora. Em Viagem ao fim da noite, Ferndinand Bardamu, o narrador também médico; também padece da aflição do desejo. A guerra também tem suas variantes e uma delas é a guerra entre os corpos, os sadios e os doentes. Um romance dotado de uma organicidade fora do comum. Golpe de mestre/

Percebo, sei que contrariando a maioria dos teóricos e estudiosos do tema, em Viagem ao fim da noite, um exemplo de autoficção. Um gênero também controverso.Cabe a autoficção explicitar as relações, nem sempre puras, entre a arte e  a vida. A obra, a literária, como decorrência da vida do escritor. Segundo Thierry Laurent "a autoficção não seria nem uma narrativa compretida com o real tampouco exclusivamente romanesca mas  uma livre retranscrição de suas lembranças e experiências, um pouco a maneira celineana."

 A arte permitindo uma nova identidade. A arte, a memória, o tempo…a imaginação. Imaginar….imaginar…a capacidade de imaginar, de criar,  fazendo parte da  realidade. A arte, qualquer forma de arte, é o apogeu da imaginação, da criatividade; é estranheza pronta a subverter padrões. A arte não deve se submeter à regras.

Conforme Bardamu, o narrador de Viagem ao fim da noite:



                                                                                                                                                                                         Quando não se tem imaginação, morrer não é nada; quando se tem, morrer é demais. É essa minha opnião. Nunca eu compreendera tantas coisas ao mesmo tempo. Ele, o coronel, jamais teve imaginação. Toda a desgraça desse homem veio daí, sobretudo a nossa. Era eu portanto o único a ter  a imaginação da morte naquele regimento?  (CÉLINE,2009, p.26)



-Viagem ao fim da noite tem o mesmo peso de Ulisses, um trabalho magistral de linguagem. Um livro que denuncia os horrores da guerra, do colonialismo, do capitalismo, da pobreza, da fragilidade da condição humana.

Celine não era um crápula, longe disso. Também não se deve negar que foi um colaboracionista.Ao ler Viagem ao fim da noite, o leitor descobrirá Celine. Ele  classificava o Viagem ao fim da noite como o mais cruel de seus livros. Caso as razões para tanta crueldade não fiquem bem claras  passe  ao segundo romance, Morte a Crédito, que, como diz o autor, coloca os verdadeiros pingos nos is. Celine era médico, como Ferdinand Bardamu, o protagonista de Viagem ao fim da noite, dava consultas no subúrbio de Paris e não cobrava de seus pacientes.
E tem mais, em Viagem...ele combina a linguagem do povo com a norma culta, a serviço de uma literatura visceral,corrosiva, perigosíssima às condições da época.

-Viagem ao fim da noite tem o mesmo peso de Ulisses, um trabalho magistral de linguagem aliado a uma temática carnavalesca em seu imenso absurdo. O exemplo é o exercício de milicianos, falsos soldados treinando com fardas e armas imaginárias. O nonsense desmascarando nosso mundo absurdo.

Não sou defensor das barbaridades perpetradas por Céine, mas vale lembrar que ele nunca esteve só. Tem companheiros no cenário da literatura espalhados mundo afora.  A grande maioria condena  Céline, eu prefiro acusar  Borges. Além de tudo, sua obra é enigmática demais, a maioria que leu não entendeu nada, mas sai por aí cantando elogios. Ainda não entendi a ausência de estátua dele aqui em Porto Alegre, não entendi “tamanha falha.”

Você, atento e nada subserviente leitor , já deve ter reparado o quanto Borges amava essa América Latina que tanto o idolatrava e ainda o idolatra?  "Desprezo os escritores latino-americanos. Eles não existem. Não existe nada na América Latina. O continente inteiro é um romance mal escrito" . Não está convecido? Leia FARIA, Alvaro Alves de. Borges, o mesmo e o outro. São Paulo: Escrituras, 2001. Está em, tempo.

Viagem do fim da noite está entre os dez melhores livros já escritos.Obra prima. Traduzida inclusive em hebraico .

Um comentário:

GISLENO disse...

Também é creditado a ele este pensamento. Não sei se é verdadeiro: “Ser médico é uma tarefa ingrata. Quando é pago pelos ricos, corre o risco de ser considerado como um criado, quando é pago pelos pobres, um ladrão”. Louis-Ferdinand Céline