domingo, 2 de maio de 2010

EU ME ABRO COM ESSA TERESINA...

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Na década dos 1970, Garrincha tinha uma coluna com o pseudônimo de Argemiro ou Agamenon Ferreira (não lembro) com o título acima. Onde ele espinafrava as tolices escritas pelos beletristas de ontem. E a Academia Piauiense de Letras era cheia deles.

Qual a surpresa em constatar que eles ainda existem e alguns frequentam ainda a academia. Publico o texto abaixo pela beleza fantástica de quase não dizer nada com uma erudição invejosa.

Quando o Piauinauta tira o capacete e aterriza, às vezes assume a identidade do psiquiatra que escreveu o "Ouvindo Vozes". Venho sendo consultor do Ministério da Saúde junto à Secretaria de Saúde e da Fundação de Saúde de Teresina para a montagem de um novo Programa de Saúde Mental na cidade. E nessa reforma foi indicado para uma diretoria do Hospital Areolino de Abreu um psiquiatra da nova geração, comprometido com a Reforma Psiquiátrica indicado a fazer mudanças radicais, o Dr. Ralph Webster. Acho que o artigo do eminente escriba é contra as posturas administrativas de Ralph. Se é que consegui entender o que o Dr. Humberto pretende dizer. Leiam:


FERUS MUNDI PALMAM

Humberto Guimarães

A feroz palmatória do mundo é a ridícula atitude da pessoa inábil impulsionada pela inexperiência pueril e vaidosa; se lhe confiam a pilotagem de um barco, logo leva-o a pique pelas ondas do açodamento, que é a pusilanimidade da imprevidência. Assim age o coronelzinho infantilóide a quem os franceses, com o salgado chiste, chamam de “le idiot savan”. É o mesmo enfatuado que, rosnando asneiras de selvageria, pateticamente empunha o reles cipó como se gládio fora (ferula ferus gladium manibus atringere) e põe-se a brandi-lo com a risível carantonha do “abominável homem das neves”. Jamais será um líder (aquele que conduz democraticamente os cidadãos, não o que gerencia bichos e coisas), carecente que é do equilíbrio da maturidade, da sabedoria, da autenticidade humanística e da inteligência prática que não desagrega nunca; a inexistência moral da autocrítica, uma deficiência caracterológica, priva-o da reflexão de que a ferocidade da palmatória do mundo é estabanada, efêmera, meteórica, desarmônica, fugaz como o fogo-fátuo das pobres almas ainda engorduradas de vanitas vanitatum. A sabedoria universal, adquirida naturalmente pelo saber da experiência e aprimorada pela experiência do saber aquilatado pela sobriedade de valores espirituais inerentes da formação pessoal, orienta para o saber repelir as tentações da estupidez das primitivas forças hipobúlicas e tem sido transmitida aos homens de bom senso de geração a geração em sínteses proverbiais de filosofia prosaicamente simplificada – como aquele brocardo que adverte ao neófito incauto de que “quem nunca comeu mel, quando come se lambuza”. Sínteses proverbiais acachapantes de sardonismo como esta, servem como admoestação educativa ao bom relacionamento do convívio interpessoal pelos esteios da solidariedade ditados pelos princípios éticos que prelecionam a fórmula socrática do est modus in rebus, a saber, que tudo deve ser feito na medida (da ponderação razoável), da cautela gestora na moderação dos gestos, das palavras e das atitudes – que devem ser exercidas com a finura clássica da etiqueta civilizada, da cortesia, do respeito e da consideração aos seus pares na profissão e aos seus liderados numa hierarquia de organograma funcional. A impetuosidade do tecnocrata humanisticamente embotado, jovem novilho de viseira que se arremete às cegas sedento de vitórias e notoriedade à primeira oportunidade de mostrar-se quem realmente é, a quem, por questões ideológicas de movimentos vanguardistas afanosos, com ares de intempestivas mudanças radicais, é sobejamente conhecida em (des)virtude da ostensiva mediocridade com que exibe a autoridade que lhe concederam prematuramente, porque passa a dardejar o espadim com a arrogância do tiranete de fancaria. São exemplos atualíssimos dessas bravatas as atitudes mofinas de certos Peterpans que, adornados do saber de manuais acadêmicos, de uma hora para outra, mercê de um concurso em que prevalece a prontidão teórica do tecnicismo dos nerds empolgados com o arremesso da “dura lex, sed lex”, vêem-se galgados ao trono do julgador das ações humanas sem qualquer estágio pelas águas lustrais das virtuosidades do bom senso, da lhaneza, da dignidade auferida pelo respeito despertado carismaticamente, e, como juízes olímpicos caprichosos, atiram raios, cobras e lagartos em forma de bombas de animosidade; na mesma balança, o médico, o engenheiro ou qualquer outro profissional imbuído do complexo de galeto al primo canto, uma vez alçados ao efêmero poleiro de uma chefia efêmera, e, elegendo ritos e rituais para a liturgia do mando monocrático, furiosamente empunham a caneta e decretam, e impugnam, e indeferem, e cortam, e discordam de tudo e de todos, tracejando a ira estapafúrdia e paranóica de um neonazista furibundo e niilista a se alienarem no antropofagismo de um Hannibal Lecter, a se autodestruírem na degenerescência encefalopática de um Wilhelm Reich enclausurado nos labirintos da sua pretendida autosuficiência científica, mera distorção de mente enferma transvestida no fardame de escotista da verdade•

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O texto muito me lembra uma anedota que se contava a respeito de Rui Barbosa:

Dizem que Barbosa, um dos maiores estadistas do Brasil, ouviu, de madrugada, um barulho no seu galinheiro. Já velhinho, pegou sua bengala e se dirigiu para lá. Em lá chegando, se deparou com um ladrão que já estava saindo com duas galinhas em cada mão. Disto, o velho advogado apontou a bengala na cara do larápio e falou:

- Ignoto cleptomaníaco, Se aqui vens por imperiosa necessidade, perdoar-te-ei, Mas se o fazes para satisfazer teus espíritos deletérios ou para zombar de minha auto-prosopopéia, dar-te-ei com o meu cajado no alto da tua sinagoga e reduzirte-ei as massas encefálicas em cinzas cadavéricas neste solo pátrio". Daí um ladrão falou:
- Ué!"...eu posso ou não posso levar as galinhas?

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Mesmo contra (será?) o nosso trabalho, não resisti em publicar o texto da indignação do douto como uma bela peça humorística e perguntar: "- ué, podemos ou não podemos continuar as reformas?"

(edmar)

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