Geraldo Borges
Como os livros vão terminar nos sebos eu não sei. E como tantas obras primas, às vezes raras, chegam lá. Arrisco um palpite. Talvez seja em parte porque as viúvas dos intelectuais detestem livros, nem todas é claro. Mas muitas delas amam mais o seu cartão de crédito, e seus livros de receitas. E quando o marido intelectual bate as botas, ela não perdoa o seu apego aos livros. Vinga-se. A primeira coisa que faz é desfazer-se dos livros do falecido. Muitas delas nem vendem, oferecem – nos aos vizinhos. Uma vez ganhei mais de meia dúzia de livros dados por uma viúva de um militar. Livros bons da biblioteca do exército. Claro que os caminhos que levam os livros aos sebos são muitos. Até mesmo espaço onde colocá-los dentro de casa.
A venda de objetos usados sempre existiu na sociedade consumo. Os sebos devem ter começado em Paris à margem do rio Sena. Hoje o mercado de livros usados investe muito dinheiro. No Brasil existem alguns livros sobre o assunto em pauta. Por exemplo: GUIA DOS SEBOS DO BRASIL de Jorge de Brito que já está na quarta edição da editora Armazém de livros usados e CARTOGRAFIA SENTIMENTAL DE SEBOS E LIVROS de Maria Cristina Delgado, dissertação de pós-graduação da Faculdade de Educação da UFMG.
A vantagem dos sebos em relação às livrarias de livros novos é que o freguês fica mais á vontade, pode regatear, tem sempre um desconto. Pode trocar livros, ou usar livros como moeda de troca. E às vezes o freguês encontra uma obra rara, o que não deixa de ser uma raridade, dependendo da edição, ou de já esta esgotada na praça. Há vários fatores reais e subjetivos para uma obra ser classificada de rara. O certo é que o encontro com uma obra rara vai depender da impressão do leitor, o que é rara para um pode não ser para outro. Se a obra é rara para ele vai ter que disfarçar na hora de comprar para o dono do sebo não desconfiar. Nem sempre os donos de sebo estão por dentro do valor estimativo de uma obra.
Uma vez comprei um romance que julgo muito importante. Trata-se de Pedro Paramo, de Juan Rulfo, no original, em espanhol. Editora Fundo de Cultura Econômica México, colecion popular, edição de bolso, e, por cima, com uma dedicatória datada de 1984 da cidade do México para duas pessoas. Achei esquisito. Nenhuma das duas impediu que o livro chegasse ao sebo. Quando o livro chegou ao sebo já vinha de uma locadora. Com um carimbo datado de 1991 achei mais esquisito ainda. O livro já tinha feito uma longa trajetória antes de chegar ao Sebo e cair em minhas mãos. Não posso entender como este livro foi parar no sebo. Uma obra prima. São muitos os caminhos dos livros pelo mundo. Para mim foi ótimo o nosso encontro. Mas alguém se desfazer de um livro autografado é por que realmente não ama os livros. Adquiri o romance por um preço módico. Agora ele vai se aquietar.
Mas não foi só desta vez que me deparei com obras importantes nas minhas andanças pelos sebos. Aconteceu uma vez que encontrei - As Memórias de Casanova, encadernada, ilustrada, selo da antiga Editora José Olimpio, em oito volumes, a preço de não botar defeito. Não foi nem preciso regatear. Levei-a para a minha casa. Feliz da vida.
No Brasil publica-se muitos livros, o livro é caro, ler-se pouco. E muitos ficam estocados nos armazéns das editoras e terminam sendo vendidos para os Sebos Existe também este expediente.
Uma vez recebi uma carta de um amigo, piauiense, que mora em Belo Horizonte. Ele me dizia que havia encontrado um conto da minha autoria em uma coletânea de contos editados pelo escritor Chico Miguel em um dos famosos sebos de Belo Horizonte. Pensou em perguntar como é que aquele livro tinha chegado até ali. Mas ficou calado. Com certeza foi pela mão de alguém que não deu muita importância a literatura piauiense. Lembro-me que na década de oitenta eu dei um exemplar desse mesmo livro autografado para um cidadão francês que estava passando por Teresina. Talvez o livro ainda esteja com ele. Mas pode também quem sabe estar nas mãos de algum bouquinista à margem do rio Sena, o que não deixa de ser uma vitória para a literatura piauiense...
Um comentário:
Como brincadeira
Arrisco um palpite.
porque os Viúvos das ntelectuais
detestem livros, nem todos é claro.
Isabel
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