quinta-feira, 24 de julho de 2008

ARRAZOADO DEFORMADO DA PAIXÃO

Edmar Oliveira

Soube que um amigo, que não vejo há algum tempo, não está me reconhecendo nesta fase amorosa com Teresina. O cara sempre odiou a cidade, sempre reclamou dela, agora vem com essa ladainha de adoração retardada. E lembrei que não só ele, mas outras pessoas que me são caras podem ter a mesma reação perplexa com o paradoxal aparente, motivada por condutas minhas no passado. Se devo uma explicação, vou tentar
...


Quando saí, senti Teresina me expulsar. Era como se eu não coubesse na cidade apesar de minha incorrigível magreza... Era como se seu calor me tirasse o fôlego e eu precisasse de outros ares para me manter vivo. Tenho mais tempo longe que dentro dela. Mas sempre voltei com saudades amorosas e regressava odiando, com a sensação acertada de ter vindo embora. Tem muitas coisas que não gosto e o sentimento de repulsa se apresentava. Mas também tenho muita saudade do passado naquilo que me formou na criatura que sou. Só se odeia ou se ama aquilo que nos tem importância. E, não muito raro, os dois sentimentos se alternam como faces da mesma moeda. E o amor, o ódio ou qualquer discurso que temos nos valendo da memóra é deformado pelo afeto. E aqui a gente sempre se engana achando que nossa versão é o fato...


Mudou o natal, mudei eu, mudou Teresina. E, encostando na velhice, me resolvi amá-la sem condições. Nem sei se ela gosta de mim, mas eu sei que lhe devo os carinhos que não me permiti no passado. Mesmo no tempo em que tinha meus impulsos de raiva para com ela, sentia a necessidade de visitá-la para que me acalmasse por dentro na minha constituição. Ia com raiva, mas na necessidade de recarregar minhas baterias orgânicas, para entender a minha aldeia no mundo...


Para se ser agora é preciso o se fazer no passado. E o meu sertão foi meu fazedor do homem que sou. A minha aldeia, meu mundo. E só se pode amar o passado que vivemos, não é possível substituí-lo. Só é possível a saudade acessar o que foi, nem bom nem ruim. E o acontecido é deformado pelo afeto. O Lampião de "Baile Perfumado" me disse isso. Para quem não lembra, no filme o rio São Francisco era de águas verdes e na chapada os galhos secos ficaram verde intenso e as cacimbas eram azuis. Para retratar o rei do sertão foi feito um reino bonito de ver e não as águas barrentas da realidade. É dessa deformação afetiva que se faz a saudade na memória...

Mas não tenho a intenção de fazer um arrazoado da paixão, apenas deixar que a deformação que o afeto produz possa me fazer viver esta paixão...




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