quinta-feira, 10 de julho de 2008

Nada Além ou Os Brutos Também Amam

Paulo José Cunha

Nada além de 70 páginas, em que sovinamente nos oferece apenas o suprassumo da complicada arte de ajuntar palavras para, dessa combinação, arrancar a exclamação estética, o suspiro de espanto ou aquela deliciosa sensação de que “ele disse o que eu queria e não sabia como dizer”. Dentro do peito do diabo velho rabugento, por incrível que pareça, também bate um coração. E neste curto mas excelente “Nada Além” que chega às livrarias, ele o reparte em poemas econômicos e definitivos, como convém a quem sabe que poesia é tecido que não se mede a metro, é roça que não se avalia por tarefa.

Esquecido de si, na tarefa a que se impôs de divulgar as belezas e as virtudes do Piauí, Cineas Santos mal se lembra que dentro dele mora um poeta sensível e exigente. Por isso publica tão pouco. Feito um garimpeiro avarento, esconde as belas pepitas que vem recolhendo durante esses anos todos. Só lá de vez em quando concorda em exibir algumas das preciosidades que vem recolhendo pela vida.

Econômico como se exige de um conhecedor e cultor da língua, o anhangüera de Caracol é seco como a caatinga de sua terra, mas ao mesmo tempo terno e amorável como Dom Quixote diante de sua Dulcinéia, tal como se apresenta neste “Veritas” (“Sem você /eu viveria, sim/ Mas seria eu/ sem mim”). Não esconde a bem vinda influência do amigo H. Dobal, em versos como
“Sarará e velho, ei-lo ainda:/ sem poder nenhum/ nem mesmo o braço,/ a cultivar um campo de lembranças” (“Homem”).

Obra econômica nunca foi motivo para evitar o reconhecimento de ninguém, veja-se Dobal, veja-se Torquato, veja-se Rimbaud. Cineas está se lixando pra fama, os que o conhecemos bem o sabemos. Mas, se a crítica não tomar cuidado, vai terminar comendo mosca e tendo de se desculpar mais à frente por não ter dado importância a um dos mais sensíveis e criativos poetas de seu tempo.

A vontade é a de transcrever versos e mais versos do livrinho. Mas, se o fizer, corro o risco de privar o leitor de sorver lentamente, como convém às pingas raras, o engenho e o estro desse operário das palavras. O diabo é que, igualmente ao que acontece quando se é apresentado a uma boa pinga, é que, quando a gente dá fé, já bebeu tudo, e se embriagou.

Mas lhe asseguro que não irá se arrepender de provar dessa raridade. Pena que a garrafa seja tão pequena, mal dá três goles.

Nenhum comentário: