quinta-feira, 24 de julho de 2008

Histórias de Trancoso

Edmar Oliveira

Gonçalo Fernandes Trancoso foi um contador de histórias português, do século XVI, que ficou famoso pelos efeitos morais das histórias que inventava ou compilava. E, caso raro na literatura, emprestou seu nome a uma locução adjetiva. Só depois de grande tomei conhecimento da figura histórica. Na memória da minha meninice, nos confins dos palmeirais piauienses, o que pronunciávamos “troncoso” era equivalente a mentira. Em algumas ocasiões podia ser traduzido como “assombrações”, que era uma mentira do outro mundo mais crível na capacidade de nos meter medo. E sentados em volta de uma pessoa mais velha, cujas rugas e olhar perdido fazia mais verídica a narrativa, ficávamos a ouvir “histórias de troncoso”, sob a luz amarelada e fraca de uma lamparina de querosene. A iluminação do ambiente e o silêncio da noite que amplificava o cântico dos grilos e dos sapos eram propícios para que a história fosse mais verdadeira. A mula-sem-cabeça, o boi encantado, a morte do vaqueiro, Alzira morta virgem, a briga do cachorro com a onça, a história do bode e a onça, eram histórias de troncoso, que o português nunca imaginou acontecer no sertão.

E em meio às histórias de Trancoso tinha as lendas dos mouros que combatiam os cristãos. Histórias da península Ibérica que foram morar no sertão. Na minha imaginação nossos vaqueiros eram os cruzados e os mouros apareciam vez por outra para nos levar as riquezas e as princesas para o outro lado do rio Parnaíba. Quando ia com meu avô trabalhar no roçado do outro lado do rio ficava assustado com qualquer cavalgar, achando que podia ser um mouro infiel das histórias de troncoso. Mas logo que a noite chegava ia me sentar na varanda da casa, sob a luz mortiça, para escutar histórias de meter medo nos olhos dentro da penumbra...

Depois que veio a luz elétrica, a televisão, Trancoso foi embora...

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"A História do Bode e da Onça", que Geraldo Borges retrata no seu conto abaixo fazia parte, na nossa meninice, das "Histórias de Trancoso".

Na verdade ela tem várias versões a partir da adaptação de Silvio Romero para a edição de "Flocore Brasileiro".

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