quinta-feira, 2 de abril de 2009

Possidonio Queiróz


Joca Oeiras


Como muita gente já sabe, embora até alguns piauienses ignorem, Oeiras foi, durante 93 anos (1759/1852), a primeira capital do Piauí. Pela seriedade, pompa e circunstância com que comemora o seu calendário religioso, atualmente ostenta, com méritos, o título de “Capital da Fé”. Mas o maior herói de Oeiras, apesar de incensado e, mesmo, adorado por alguns oeirenses, e, ainda que católico praticante, não era nenhum líder messiânico.

Penso muito em como deve ter sido a sua juventude, que não há vivente que dê conta dela, mas Possidônio Queiroz (1904/1996) tornou-se, nos últimos 50 anos de sua vida e até hoje, um exemplo e uma referência para todas as pessoas que com ele conviveram e, mesmo, as que, como eu, não desfrutaram deste prazer.
Negro, intelectual autodidata, Possidônio, numa visão apressada (e certamente preconceituosa) poderia parecer a quem não o conheceu, uma espécie de “Pai Tomás”, um “preto de alma branca” que abandonou as referências étnicas para assumir a ideologia dos senhores de escravos. Cidadão exemplar, respeitador das leis e das autoridades, apaixonado por Oeiras, membro do Rotary Clube da Cidade, flautista de grande talento, compositor de lindas valsas, discursador incansável, professor emérito, rábula (advogado não diplomado), sócio fundador do Instituto Histórico de Oeiras –IHO, Possidônio, que chegou a ter uma livraria em pleno Mercado Municipal de Oeiras, atendia a todos que o procuravam com a mesma atenção e respeito, fosse um matuto que lhe pedia para escrever uma carta, fosse um político que encomendava um discurso. Dava especial atenção às crianças, a ponto de largar tudo o que estava fazendo só para atendê-las, o que, muitas vezes, exasperava os adultos que disputavam sua atenção.

Em 1987, Oeiras recebeu as visitas de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, e de sua filha (com Olga Benário), Anita Leocádia. Em 1926 a Coluna Prestes havia passado por Oeiras e o jovem Possidônio Queiroz confraternizara com os revoltosos. Coube a ele, como era de se esperar, o discurso de boas vindas aos ilustres visitantes. Em seu agradecimento Prestes disse que não estava acostumado a ser tão bem recebido como o foi em Oeiras. Anos depois, Anita Leocádia escreveu uma carta rememorando o episódio e falando da profunda emoção que se apossou de ambos, pai e filha, diante do discurso de Possi, como muitos o chamam, até hoje, carinhosamente.

Uma das coisas de que posso me orgulhar, com toda a certeza, é de ter tido a sensibilidade de editar um número do tablóide “O Estado do Piauí, o mais charmoso do Brasil” inteiramente dedicado a Possidônio Queiroz em 2004, ano em que se comemorou o centenário do seu nascimento.Quando, ainda hoje pela manhã, me dispus a escrever sobre ele, um ícone oeirense de primeira grandeza, não imaginava o quanto é complicada a tarefa que me impus, pois, quanto mais escrevo, mais sinto necessidade de contar histórias que demonstrem outras das múltiplas facetas de sua personalidade . A ponto de eu estar convencido de que não obterei mais que uma pálida descrição de pessoa tão radicalmente incomum e do papel que ele representa no imaginário coletivo dos oeirenses, ainda que gaste milhares de palavras. Mesmo esta pálida imagem, no entanto, considero reveladora de um grande vulto da nossa história, não sómente de Oeiras, mas do Piauí e do Brasil. Mais do que isso, a existência de Possidônio Queiroz, sem sombra de dúvidas, valorizou sobremaneira a tão (e por tantos) enxovalhada HUMANIDADE.


Possidônio Músico"Eu o defino como um músico de extremo talento, um talento extraordinário, uma inventiva fora de série.Porque você vê uma pessoa que viveu a vida toda aqui em Oeiras, longe dos meios de comunicação, sobretudo naquela época, há 40/50 anos ele conseguiu fazer uma obra duradoura. Possidônio não teve estudo, foi autodidata com a música, então posso dizer que a obra dele é de um grande aspecto intuitivo. Ele produziu uma obra pequena, o que a gente conseguiu recolher foi pouco, mas como ele mesmo nos disse, os cupins comeram muitas coisas. O que a gente conseguiu resgatar é de extremo valor. E tenho certeza que é uma obra que merece ser conhecida até no exterior e, chegando lá. vão dar o devido valor." Maestro Emmanuel Coelho Maciel


O herói de Oeiras foi um eximio flautista e, no final da vida, teve reconhecida sua obra musical enfeixada no CD "Valsas Piauienses", mas eu sempre reluto em ressaltar seus dotes musicais por receio de empanar, aos olhos dos leitores, os demais aspectos de sua personalidade fascinante. Afinal, grandes músicos há inúmeros, muitos, inclusive, até com maior talento do que o dele, musicalmente falando. Possidônio, no entanto, é exemplar único em termos de caráter e formação, também autodidática, humanista. Em 1973, aos 69 anos, já deixara de tocar sua flauta há mais de dez anos, mas ainda conservava o instrumento consigo. Um de seus filhos, Francisco Queiroz, também músico, residente no Rio de Janeiro, pediu-lhe a flauta. A carta, abaixo transcrita, de autoria do, como ele se auto-intitulou, "Pai Amigo", transmite bem a sua emoção ao desfazer-se do instrumento:

"Oeiras, 11 de fevereiro de 1973
Querido filho, Francisco Queiroz
Abraços
Recebi seu telegrama há dias. Ciente. Estou remetendo a flauta pelo nosso bom amigo Ferrer. Vai aos cuidados do Queiroz Neto porque não tenho o seu endereço novo (mande-o) e porque ao Raimundo é mais fácil do Ferrer encontrar.
Há muito tempo não via a nossa flauta. Parece que ainda está boa. Creio mesmo que as sapatilhas não precisam ser mudadas por já! Não sei. Aí você verificará. Antes de embalá-la, os meninos todos fizeram uma festa de despedida. Cada qual queria dar uma sopradinha. O Carlinho foi o mais interessado. Depois de dar um banho de álcool nas duas cabeças entreguei a eles. Carlos queria tocar sem nunca haver estudado antes. E quando pus o instrumento na caixa e fechei, ele tratou de fazer uma flautazinha com um pedaço de cano que encontrou.
Gostaria que Carlos estudasse flauta, ou outro instrumento e até fizemos um “Contrato” hoje de ele estudar um pouco de música pra depois a gente ver o que se pode fazer. O estudo da música tem caído aqui. Peço-lhe, quando tiver tempo, indague o preço de um bandolim nas casa do ramo. Já falei com Ceiça e Vanda para que elas também estudem um pouco de música.
No momento da despedida, tentei arrancar algumas notas mas, a contragosto, verifiquei que a flauta já não me conhecia, ela que outrora foi uma amiga inseparável. Que sons bonitos, maviosos ela me fornecia!... Ficava, muitas vezes, noite velha a dentro a manejá-la encantado com o que ela me dizia. Doce ao extremo, requeria um sopro suave, fraco, porque do contrário ela gritava magoada.Nos graves uma beleza encantadora. Notas cheias redondas, magníficas. Nos médios uma riqueza de doçura que se assemelhava ao violino. Nos agudos afinadíssima e agradável sobremaneira ao ouvido.
Hoje me não quis satisfazer. Também, há mais de doze (12) anos não tocava. Assim mesmo pude arrancar-lhe quase a contragosto dela, umas cromáticas e uns trenos saudosos que constituíam os meus estudos dos tempos de mocidade.
Estude e quando vier por aqui, traga-a, ou então alguma gravação de trechos tocados nela. Quero ouvi-la, como outrora.
Não mando um método porque não encontrei. Não sei se ainda possuo algum. Isso é fácil encontrar por aí. Tome um curso de flauta. Pode muito bem adquirir neste instrumento que Márcia criou, a virtuosidade que possui na clarineta. Escreva.
Nada de novo por aqui, só a posse do Dr Pedro Freitas no cargo de Prefeito Municipal, como sucessor do Dr. Juarez Tapety."Agora um forte abraço. Os meninos todos mandam muitas lembrança. Mãe Chiquinha vai bem, todos vivendo.

do Pai AmigoPossidônio Queiroz

________________

Como o Joca reclamou da minha apresentação do Professor Possidônio na edição passada, tento me corrigir reproduzindo artigo do Joca Oeiras para o site Overmundo.

Um comentário:

Joca Oeiras disse...

Querido Edmar:
Tamo querendo "dar" uma medalha "in memoriam" pra esse homem notabilíssimo o Professor Possidônio Nunes de Queiroz, isto é, estamos querendo, na verdade, indicá-lo com chances para receber a "Medalha da Ordem do Mérito Cultural", indicação essa que pode ocorrer até o dia 12 de junho de 2009. Como instumento de campanha, criamos o blog http://medalhapossi.blogspot.com/ . Se puder leia, comentem, divulgue e apoie a iniciativa.
beijos e abraços
do JocaOeiras, o anjo andarilho