quinta-feira, 2 de abril de 2009

LOUVAÇÃO DO MALUQUINHO

Cinéas Santos



Março de 1939. No ar, já se percebiam prenúncios de um conflito que se arrastaria por seis anos, ceifaria milhões de vida e deixaria cicatrizes indeléveis na memória da humanidade. Indiferente aos ruídos do mundo, na manhã do dia 19 daquele mês, nascia um menino miúdo com a indeclinável vocação para passarinho. Por ter nascido no dia do “Casto Esposo de Maria”, deram-lhe o nome de José. Contudo, aos olhos da mãe, não bastava a proteção do santo, que é sinônimo de resignação e humildade, seria necessário alguém suficientemente lúcido para pavimentar-lhe o caminho. A escolha recaiu sobre Elias, o mais austero e determinado dos profetas. Sob dupla proteção, José Elias atirou-se à vida de peito aberto como quem mergulha em águas conhecidas.
Muito cedo, revelou sua vocação (como direi?) franciscana. Aos três anos de idade, os pais o levaram à fazenda da família. Entretidos com os parentes, descuidaram-se, por alguns minutos, do pequeno Zé que, impávido, rumou para o curral das vacas onde literalmente mergulhou num mar de merda. Não fosse a presteza do vaqueiro da fazenda, certamente teria abreviado sua passagem por esse val de lágrimas. Agora, sim, ungido com bosta de boi, estava pronta para estrear como menino maluquinho no teatro do mundo.
Esse bem que poderia ser o parágrafo inicial de uma biografia de José Elias Arêa Leão, o mais simples, solidário e generoso dos viventes nascidos na Chapada do Corisco. Mas isso ainda diz pouco desse moço bem-nascido que, alheio às pompas do mundo, fugiu dos holofotes e ignorou as convenções para misturar-se aos humildes. Com seu sorriso inconfundível, Elias chega aos 70 anos com o espírito travesso de um moleque prestes a perpetrar mais uma reinação.
Não existisse de verdade, mais cedo ou mais tarde, teria sido inventado pelo Ziraldo. Para tanto, bastariam a cabeça do Menino Maluquinho e o coração do Jeremias, o bom. O corpo poderia ser emprestado de qualquer moleque entanguido, desses que perambulam descalços por ruas e becos de Teresina. Alegre, irrequieto, solidário e feliz, o septuagenário Zé Elias, a quem o mestre Paulo Nunes prefere chamar de Zezé Leão (alusão a um parente com fama de bravo), ainda não sabe o que vai ser quando crescer. Se depender dele, será apenas um menino velho que não dá guarida à tristeza, não agasalha ódio no embornal do peito e teima em acreditar que a felicidade mora logo ali na próxima esquina.


Com o mesmo sorriso com que acolhia a todos em seu gabinete de Secretário de Cultura do Piauí, Zé Elias dividia com os servidores mais humildes daquela casa os louros de cada conquista. Ia um pouco além: dividia o próprio salário com os mais necessitados como se fosse um riquinho pródigo. Se toda unanimidade é burra, como afirmava Nelson Rodrigues, Elias é o troféu de “burrice” que fazemos questão de exibir. Estimado de todos, esse cidadão do mundo dignifica a palavra amizade.


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Zé Elias é a cara de Teresina, conhecido por todos e conhecedor de cada cidadão da cidade. O que impressiona é o Zé Elias conhecer todos nós. Isso não é lenda, é verdade. Mestre Cinéas presta uma merecida homenagem.






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