quinta-feira, 30 de abril de 2009

CANDANGOS DO PLANALTO, UNÍ-VOS!



1000TON

O homem é um animal muito especial. Difícil arrumar um jeito de colocá-lo para viver em qualquer lugar: num cercado, numa gaiola, numa selva de concreto, numa pocilga ?
A cidade moderna, pós-revolução industrial, tem, relativamente, pouco tempo de conurbação existencial - cento e cinquenta anos, se tanto? Conurbação é o nome que se dá ao nó-nas-tripas, ou seja, um estrangulamento monstruoso do ir-e-vir, quando uma cidade se esparrama descontroladamente e engole pequenas vilas, lugarejos próximos a elas, e, até mesmo, outras cidades menores.
Os grandes aglomerados urbanos, no mundo inteiro, cresceram desmesurada e elefantinamente. Apesar de algumas experiências, o homem não se deteve ainda a pensar seriamente sobre o destino das futuras gigalópolis.
Ao longo da história alguns loucos, ou poetas da estética funcional urbana, tentaram bolar alguns viveiros para a espécie humana. É o caso de Le Corbusier, pseudônimo de Charles-Edouard Jeanneret-Gris talvez o mais famoso de todos, arquiteto, urbanista e pintor franco-suíço (1887-1965).
Esse senhor influenciou uma geração enorme de discípulos. Le Corbu, como também era conhecido, projetou várias “cinecittá”, não que ele fosse do ramo cinematográfico. Na sua concepção os meios de transporte, o trabalhar, os serviços, o verde, o comércio, a moradia, aliados a uma tecnologia altamente desenvolvida, supririam todas as necessidades do usuário das grandes cidades, como numa romântica produção hollywoodiana, estrelando: o homem e seu novo habitat.
A idéia de enormes arranha-céus, em concreto e vidro, monótona e geometricamente dispostos, exigindo equipamentos sofisticados (hoje em dia ecologicamente inadequados), tais como, super-elevadores e portentosa maquinária para manter a temperatura ambiente artificialmente confortável, não foi comprada nem pelo Velho Mundo do pós-guerra. Le Corbusier engenhou um plano completo para a cidade de Paris; aliás, o modelo serviria também para outras cidades do planeta, mas a Europa preferiu reconstruir suas velhas cidades, com apenas sutis retoques modernos, preservando-as e integrando-as ao seu passado orgânico-cultural.
Quem comprou a idéia foi o terceiro mundo: esperando alcançar um progresso utópico, tentaram esconder os dramáticos desníveis sociais existentes: “Um novo porvir” ou “Vamos começar tudo de novo como se nada antes existisse”.
Em virtude da grande influência francesa na cultura brasileira, aqui, dentre outros, Corbusier fez a cabeça de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, que tentaram implantar no planalto central do país, convocados que foram pelo Juscelino Peixe Vivo, a urbe ideal para o muderno cidadão brasileiro, sem diferença de classes – Brasília.
“Sobre a cabeça os aviões / Sob os meus pés os caminhões / Aponta contra os chapadões / Meu nariz / Eu organizo o movimento / Eu oriento o carnaval / Eu inauguro o monumento / No planalto central do país / ...” (Tropicália, Caetano Veloso).
Essas cidades modernas não ficaram, nem poderiam ficar imunes aos bolsões de pobreza espalhados pela sua periferia, eis que a plebe ignara, impedida de participar do convescote, foi chegando mais perto para catar migalhas e restos de comida. Os novos belos cenários da Urban Paramount Pictures não foram construídos para os bóias-frias.
Armadilha do destino: o deslumbrante sonho de JK, muito pouco tempo depois, a apenas quatro anos da inauguração da Novacap, em 1964, serviu de palco, digo, quartel de luxo para os milicos comandarem mais de vinte anos de truculenta ditadura militar, iludindo nosso povo com o milagre brasileiro, prato jamais servido na mesa dos brasileiros.
O nosso Macunaíma, como teria interpretado Brasília, se possível fosse escrever uma segunda “Carta pras Icamiabas”? Ele hoje, possivelmente, estaria andando a pé, não teria conseguido comprar nem uma Romi-Isetta, e, certamente, estaria morando numa Ceilândia, ou naquele lugar onde “Eu, Mato Grosso e o Joca, construiu nossa maloca...”(Adoniran Barbosa)
No seu livro, editado logo depois de pronta a Novacap, Niemeyer mostrava-se bastante angustiado ao ver os candangos, que ergueram aquela cidade Planaltina com o suor e o sangue do seu trabalho, não conseguirem nela morar. Quão ingênuo foi o nosso mestre!...Talvez não tivesse tido o tempo necessário pra pensar em matéria tão polêmica: DECIFRA-ME, OU TE DEVORO !
“Tá vendo aquele edifício moço / Ajudei a levantar / Foi um tempo de aflição / Eram quatro condução / Duas pra ir, duas pra voltar / Hoje depois dele pronto / Olho pra cima e fico tonto / Mas me chega um cidadão e me diz desconfiado / Tu tá aí admirado / Ou tá querendo roubar?”
(letra e música de Lucio Barbosa).
Cidades modernas no terceiro mundo não foram capazes de, por si só, resolver o grave problema da discriminação e das abissais diferenças existentes entre as castas sociais. O contingente dos sem-teto aumenta cada vez mais.
Outra ironia do destino: muitos asseguram que a atual crise econômica teve início justamente com o mercado imobiliário dos EUA. A especulação e o capital financeiro, assim como em outros setores, não podem comandar os destinos da cidade pós-moderna. Esta deve atender, sim, ao bem estar das pessoas que nela habitam. Os cidadãos deverão ter o direito de participar dos processos de intervenção, produção e remodelagem das cidades.
É por aí.

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