domingo, 7 de novembro de 2010

Lima Barreto



Estou no hospício ou, melhor, em várias dependências dele, desde o dia 25 do mês passado. Estive no pavilhão de observações, que é a pior etapa de quem, como eu, entra aqui pelas mãos da polícia.

Tiram-nos a roupa que trazemos e dão-nos uma outra, só capaz de cobrir a nudez, e nem chelos ou tamancos nos dão. Da outra vez que lá estive me deram essa peça do vestuário que me é hoje indispensável. Desta vez, não. O enfermeiro antigo era humano e bom; o atual é um português (o outro o era) arrogante, com uma fisionomia bragantina e presumida. Deram-me uma caneca de mate e, logo em seguida, ainda dia claro, atiraram-me sobre um colchão de capim com uma manta pobre, muito conhecida de toda nossa pobreza e miséria.

Não me incomodo muito com o hospício, mas o que me aborrece é essa intromissão da polícia na minha vida.

(Lima Barreto, início de "Anotações para o cemitério dos vivos", 1919)

Caricatura de Netto em cima da foto de Lima Barreto tirada do seu prontuário médico de internação. ver Picinez

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