domingo, 29 de agosto de 2010

Tipicamente Americano

Aderval Borges




Cá estou nesta besta siesta muy braba, cansado como um bode velho, sonhando em tomar umas tantas pra deixar vir à tona o bode endiabrado, e vejo pela web o velho e bom Robert Crumb vomitando seu nojo pela Gringolândia, onde nasceu e se fez.
Nada tão “tipicamente americano” (como dizia o Caetano). Os Isteitis são um histórico paradoxo. Entre seus trocentos contrastes, nada mais natural que um dos seus mais característicos artistas detestem o próprio país e queira se ver longe de tudo que representa.
Crumb – vive há décadas na França – não é o primeiro a cair fora. Muitos fugiram de lá – Pound, Eliot, Fitzgerald, G. Stein, Hemingway, Henry Miller, Hendrix (despontou em Londres) etc. –, outros tantos se isolaram para conseguir viver por lá (Whitman, Poe, Lovecraft, Charles Peirce, Faulkner, Salinger, Hunter Thompson e tantos outros). Mas, de qualquer forma, os out e os in compuseram, no conjunto, a melhor literatura moderna.
A Gringolândia foi construída sob paradoxos. Guerras e mais guerras pra se declarar a pátria da liberdade. Uma sociedade na qual a liberalidade convive com o mais tosco conservadorismo. Os direitos humanos com os piores crimes e as piores formas de preconceito. É o presumível pilar de democracia mundial, mas, ao mesmo tempo, é a nação mais inclemente, intolerante, perversa e agressora.
Como bem descreve o poema do Caetano: é a terra do supremo e do banal. Do belo e do horrível. Onde tudo pode e não pode ser.
“Não quero voltar aos Estados Unidos. Tenho vergonha de dizer que sou americano.” É o que Crumb diz agora. Mas onde poderia surgir um tipo como ele, que criou “Fritz the cat”, “Mr. Natural” “Freak Brothers” e aquelas bundudas enrabadiças todas, senão lá?
Crumb, na mesa do evento em Parati, faz seu mea culpa e causa constrangimento a todos, em especial a seu editor no Brasil que bancou sua viagem e estadia:
“É bizarro. Me vejo como alguém que não deve ser levado a sério. Me dá medo ser levado a sério. Por que estou aqui? Só fui convidado porque essa porra toda é um negócio.”

Nenhum comentário: