domingo, 1 de agosto de 2010

Maria dos Remédios



Geraldo Borges



Ontem a noite eu tive um sonho. Acho que é melhor me apresentar. Meu nome é Maria dos Remédios. Poderia ser da Piedade, do Amparo, da Consolação, do Desterro, da Misericórdia, do Perpetuo Socorro; poderia ser qualquer Maria, contanto que fosse virgem.


Eu estava sentada na rampa do rio, com as pernas dento da água até os joelhos. O vento encrespava a água e arrepiava o meu corpo. Quando de repente me pareceu que eu estava caindo dentro de um poço bastante profundo, úmido, lodoso, cada vez despencava mais. Pareceu que alguém estava me puxando pela perna. Parei dentro de uma loca, uma caverna no fundo do rio, de águas paradas, cheia de espelhos líquidos. De olhos arregalados o Cabeça de Cuia olhava para mim, lambendo os beiços, disse.


- Muito bem. Você é virgem. A minha primeira virgem. Até que enfim vai começar. Depois virá a Maria da Piedade, e assim por diante, ate o numero das notas musicais. Aí acabará a ópera, eu desencantarei. E daí para frente só Deus sabe.


Eu não estava entendendo nada. A minha vontade era acordar daquele pesadelo, subir à tona do rio Poti, ouvir o galo cantar no quintal e me levantar para cuidar da vida, lavar a minha trouxa de roupa, botar no quaradouro, aproveitar o sol que hoje está bonito, colocá-las no varal e depois passar ferro.


Eu estava no fundo do rio, coberta de lodo, o Cabeça escorrendo no meu corpo, tentando me despir, me descompor. Tirou a sua cuia da cabeça e eu vi o seu crânio reluzente, guloso, pelado, duro, imoral, procurando a forquilha de meu corpo entre as minhas coxas. Senti a penetração. Gritei. Acordei. Fiquei aliviada. Estou viva.


Nesse mesmo dia fui tomar banho. Não voltei mais. O meu sonho virou realidade.


_________________________


foto: monumento ao Cabeça de Cuia, Teresina

Nenhum comentário: