quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

resenha: AS CONFISSÕES DO HOMEM INVISIVEL





Luíz Horácio

As confissões do homem invisível corre o sério risco de servir de manual para outras leituras dada a quantidade de referências ali contidas. Este atrevido aprendiz não pretende buscar outras, mas sugere ao leitor um confronto pacífico com Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. Invisibilidade e cegueira ,onde se aproximam, onde se afastam. Nos enredos abordados, até que ponto influem na condição humana?
A história de Alexandre Plosk tem início quando o protagonista descobre, numa fábrica de espelhos, que sua imagem não afeta mais esse objeto. Daí em diante tudo na vida do personagem leva à confusão e daí a tristeza basta um sopro. É o que acontece quando nos falta coragem para olhar para o fundo do poço escuro de nossa alma. Forçado a mergulhos inevitáveis e geralmente trágicos no seu passado guiado pelo oxigênio da lucidez, perceber que não soube amar. Vem daí o grande combustível para a tristeza e a confusão mental. Até...desaparecer! Então tenta voltar, refazer o caminho para a dor doer menos. Esquece que na ânsia de voltar pode se perder definitivamente. Uma amiga já morta dizia: “ quando decidimos voltar é por que estamos perdidos.”
A relação mal resolvida com Alice, que também se torna invisível e esconde um segredo, dá a entender que certos amores não reclamam soluções, necessitam de solidões. Exigem que permaneçam unidos, na dor. Na aflição da alma. A angústia que faz inventar. Outros homens, outras mulheres, outros dias. E assim a vida ergue seus prédios, seus monumentos, permitindo a possibilidade de que ali naquela próxima esquina venha a encontrar outras dúvidas.Quem sabe, tenha morrido? Alice, o irmão, teria morrido por sua (do protagonista) culpa, ou por acaso.De qualquer sorte, a morte será sempre um retrato. Quem sabe um espelho a refletir a ausência? Nada mais que um instante paralisado da vida dos que restaram. Morte não se resume a dor, tristeza, é falta de costume.

O protagonista não guarda saudades,alimenta a amargura fruto da incerteza; não sente vontade de saber de ninguém, o passado é um ladrão egoísta que lhe deu às costas. Também não chega a ser daqueles tipos sorumbáticos que perambulam por aí sob o peso das cicatrizes do sofrimento.
Assim como para Alice, também para ele o que conferia um significado especial à vida não era o visível mas sim o sentido. Nunca conseguiriam a união.
E por falar em espelhos, sua incansável apropriação pela literatura e a anteriormente citada quantidade de referências me obrigo a pensar na indigência intelectual que grassa em nosso país, a começar pelo bizarro presidente que supostamente nos comanda, e uma questão se impõem. O potencial criativo do escritor e o interpretativo do leitor. Até que ponto a formação, a intensidade e sutileza interpretativa, bem como a complexidade estética de ambos deve ter mais ou menos extensão semelhante? Do contrário a arte, no caso a literária, pode virar enigma, ou então refletir o território bizarro onde um Tarso ou um Genro ditará as regras. Creio que aí se justifique a presença da critica, com uma atuação isenta que ajude a ordenar as emoções. Nunca esquecendo que a critica é plenamente dispensável, a obra de arte não precisa dela para existir, a obra de arte permite inferir uma realidade criadora e um leitor que se relaciona com ela também de maneira criativa.
As confissões do homem invisível é uma arriscada investida do autor, homem de cinema, pelas veredas literárias. Se atualmente o que mais se vê é autor escrevendo na expectativa de adaptação para o cinema, Alexandre Plosk parece fazer o caminho inverso. As confissões do homem invisível não é um romance linear, muda o tempo, muda o narrador, muda o cenário,e se o roteirista foi por demais criativo, ao montador faltou talento e expôs o leitor/espectador a uma enxurrada de informações e caso não disponha dos coletes salva vidas nas cores, filosofia, cinema, literatura, mais precisamente Kafka, Lewis Carol, Joyce, na certa entregará os pontos e deixará se hipnotizar por Morfeu.
Fica um travo de trabalho acadêmico com orientador preguiçoso; várias possibilidades e nenhuma aproveitada em sua totalidade . Uma pena, pois Alexandre abriu várias frentes, todas riquíssimas, não precisava abarcar todas, a história principal não carece de tamanho labirinto. Ficou parecido com a série de TV, O homem invisível. O lúdico superou o literário. Importante ressaltar que aqui nesse espaço tratamos de literatura, as virtudes cinematográficas, se por ventura existirem, serão sempre secundárias. Não entendo como mérito dizer que o livro A é bom porque daria um bom filme, no universo precário deste aprendiz o livro é bom ou tem qualidades porque é bom ou tem qualidades como livro. E basta. Do mesmo modo que um livro ruim nas mãos de um grande realizador pode resultar num grande filme. O que não podemos fazer durante a análise de um livro é projetarmos seu futuro numa outra forma de expressão. Pretensão descabida. Feita a observação mais que necessária voltemos em busca do fio da meada. Pois bem, se na obra o autor cria uma realidade soberana, essa mesma realidade também é frágil. Está a mercê das carências, veleidades e opiniões daqueles que se acercam dela.
Como convencer determinado leitor da importância de tal obra se a opção estética da mesma não faz parte de seu mundo?
Certa vez um poeta jovem afirmou a respeito de Paul Celan, Lezama Lima e Ezra Poud, que “para desfrutar dos malabarismos, dos contorcionismos e os triplos saltos mortais, prefiro ir ao circo.”
Sem concordar com o jovem poeta, a frase serve como alerta: nenhuma obra está fora de perigo, nem sempre a qualidade se impõem por si , dependerá sempre do gosto e da formação do leitor. E aí que As confissões do homem invisível começam a correr perigo.
Contra as limitações do gosto individual nada se pode fazer, no entanto quanto a formação do leitor se pode debater, estudar, comentar, quem sabe criando novos paradigmas e movimentos estéticos. Talvez resida aí a grande contribuição de Alexandre Plosk, fazer um contraponto da figura do escritor culto,observador, atento a tudo que o cerca, com concepção intuitiva do trabalho literário.
O autor parece querer recuperar, ou quem sabe fundar uma harmonia existencial; unir a consciência ao Todo. Plosk aspira, com As confissões do homem invisível, a reconciliar-se com o mundo; mistura cultura judaica coma teoria do caos, a diluir a dor, a entender a distância e o vazio, a inventar uma maneira de fruir a plenitude onde convivam o desejo e a solidão, a frustração e as lembranças, os sonhos e a justiça. No entanto tamanho engenho acabará por deparar-se frente ao muro sólido da realidade. Então o Eu fragmentado assumirá o papel de Sisifo, e na busca da sua reconstrução renasce em seu sofrimento infindável, embora por vezes acredite tê-lo derrotado. No entanto, a vida não é feita só de alegrias, essa lição todos nós aprendemos muito cedo.Encontrar tristezas! Esse é o problema, encontrar o que não se procura, ninguém sabe onde pesquisar , mas também não é motivo para preocupação...ela vem...é uma coisa beirando a perfeição, a tristeza. Mas podia ser a paz. A paz está distante, muito distante da perfeição, para haver paz é necessário que exista um derrotado. A tristeza vem, você não inventa. Depois da tristeza e sofrimento o indivíduo só almeja uma coisa: liberdade. E liberdade implica em perder algumas coisas. Perder, exatamente isso, perder, é o que consegue o protagonista de As confissões do homem invisível. Detalhe importante; caberá a você, visível leitor, decidir se ele encontrou a felicidade.
As confissões do homem invisível não tem por objetivo a articulação lógica, a trama nasce exatamente na desarticulação lógica do protagonista; no entanto se aproxima da tentativa de causar impacto emocional quando um certo viés onírico atua como coadjuvante dos humores da consciência ou dos horrores e dos desejos.
Para concluir: As confissões do homem invisível é a imagem, no espelho de cada um, da luta entre o Eu fragmentado e a unidade, o impulso desde a dor até a eclosão de um novo tempo, sem trevas. A fragmentação existencial do protagonista gera a fragmentação da narrativa - a cisão entre o Eu e o Todo.
Não, não é uma leitura fácil, caso você, preguiçoso leitor, pretender ultrapassar os véus do lúdico que revestem a narrativa. No entanto, se eu fosse você, abandonaria o comodismo pois não se arrependerá, por que “viver é muito diferente de obstaculizar a morte e no amanhecer dos meus sapatos solitários escuto os passos de alguém igual a mim. Num outro país.”


TRECHO

Enquanto ele fala e fala, cada vez mais banhistas vêm acompanhar a conversa.Eles o incentivam, como se fosse um pastor. Dizem “amém”, “Deus seja louvado” a cada uma de suas brilhantes idéias. O mais incrível é que um grupo de animais vem pouco a pouco se aproximando. Primeiro um coelho, depois um burro, uma tartaruga, um gato, um cachorro...Todos eles parecem escutar suas palavras. Logicamente foram acostumados a isso.Imagino que, ao final, alguém lhes dê algo de comer.
Tio Charles tem um carinho especial pelo coelho. Ele o pega nos braços sem perder o ritmo.O coelho é engraçado.Ele me olha de vez em quando. Parece notar o quanto estou perdido diante de tantos conhecimentos.Tenho a nítida impressão de que está prendendo o riso por minha causa.
E por aí a coisa vai fluindo com Tio Charles encantando sua enorme platéia. Puro/Não-Puro. Rituais que tentam estabelecer diferenças. Deus. Homem. Eu. Outro. Imortalidade. Mortalidade. Construção de sentidos, enfim.
-Muito bem! Então, você entende o que é a Lógica. Ela faz sentido para você, não faz? Então, se a Lógica existe, isso só pode provar que existe também a sua contrapartida, certo?
Agora as coisas poderiam ficar complicadas.
-Lógica, Não-Lógica. Ah! Escolha o nome que quiser!
Consciente, Inconsciente, o que seja! Vamos, isso é moleza, rapaz!
Sigamos juntos: a Não-Lógica pressupõe a ausência total de Lógica, certo?
-Certo.
-Errado!A Não-Lógica é definida como “não-lógica” justamente porque neste universo não-lógico não cabe qualquer comparação com a Lógica. Portanto, a Não-Lógica jamais pode ser entendida através de uma mente lógica.




O AUTOR
Alexandre Plosk nasceu no Rio de Janeiro em 1968. Cursou publicidade e cinema.Além da literatura, trabalha com roteiro de cinema e televisão.Assinou a direção de curtas-metragens e escreveu o roteiro do longa Bellini e a Esfinge, prêmio de melhor filme do Festival do Rio. Em 2004, estreou na literatura com o romance Livro zero, As confissões do homem invisível é sua segunda obra literária.Atualmente, Plosk é roteirista da TV Globo.
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Luíz Horácio
Jornalista, escritor, autor dos romances Perciliana e o pássaro com alma de cão, ed.Conex e Nenhum pássaro no céu, ed. Fábrica de Leitura, professor de Língua Portuguesa e Literatura, mestrando em Letras.


Ilustração: "A piscina" pintura digital de João Werner, especial para o Piauinauta


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