domingo, 29 de setembro de 2013

Tempestade de Aço

Luíz Horácio  


De todos os lados, brotavam feridos no mato bombardeado, atraídos pela possibilidade de se protegerem. A entrada da vala estava horrível, abarrotada de feridos graves e moribundos. Uma figura nua até a cintura, de costas abertas por um ferimento, apoiava-se à parede. Outro, com um naco triangular de cérebro pendurado no crânio, não parava de berrar de forma estridente e tocante. Ali imperava a grande dor, e pela primeira vez eu vislumbrava as profundezas de seu reino através de uma fresta demoníaca. E as explosões não paravam.

Ernst Junger se alistou como voluntário  durante a Primeira Guerra Mundial, resulta dessa experiência Tempestades de Aço, tradução de Marcelo Backes, um relato, um balanço, originário dos fatos em lugar da imaginação, talvez não devêssemos chamar de literatura justamente por isso? Desse modo Diários dos moedeiros falos, de Gide também deixaria de ser literatura? Mas quem garante que no diário de Ernst Junger tudo se deu conforme o anotado?

E por falar em Gide. Sobre Tempestades de aço. “O mais belo livro de guerra que já li.”
Considerado, por Gide e muitos outros, como o grande livro de guerra, aproveito para discordar.
Caso o elemento que caracterize como “o grande livro de guerra” seja a descrição fria, seca, a brutalidade expressa em  cenas como a que abre esta resenha, então podemos conversar. É tudo muito objetivo na narrativa de Junger, e me faz lembrar exatamente o contrário, o sarcasmo, a ironia, sem perder a objetividade, encontrado na primeira parte de Viagem ao fim da noite, de Louis-Ferdinand Céline. Não digo que a narrativa de Céline é melhor ou pior que a de Junger, no aspecto guerra , mas não fica devendo nada.
Vale lembrar que Celine foi execrado, escreveu panfletos antisemitas. O valor de sua obra literária foi esquecido, mas e Ernst Junger? Não foi um dos artífices do pensamento do Fuhrer?
Ora, ora. Essa tentativa de amenizar certas atrocidades não sensibilizam este tosco resenhistas. Repare bem a dupla que segue: O jurista Carl Schimmit, o ideólogo do Estado Total, Martin Heidegger, ele mesmo, é de sua autoria “Profissão de fé em Adolf Hitler, lá ele descreeve o Fuhrer como o instante de “retorno à essência do ser”. E muitos defendem Heidegger.
Ernst Junger completava o trio assombroso.
Esses grandes amigos, amizade também ancorada em convicções políticas, tornaria a se encontrar em 1955 por ocasião do aniversário de Junger. Tão amigos e só o inocente do Junger não era nazista. Era meio nazista. Conte outra.
Tempestades de aço é de uma crueza assustadora, ao mesmo tempo de uma monotonia exemplar, descrever e descrever bombardeios, ataques e suas consequências, o que muda  de vez em quando: o tamanho da ferida apenas.
Junger que de bobo não tinha nada colocou algumas pitadas de um lirismo polar, e conseguiu amenizar um pouco a brutalidade, o grotesco de sua narrativa. A selvageria do campo de batalha contrastando com a indiferença daquilo que há de mais puro, nobre, e assustador; os pássaros.. “Era estranho que os pequenos pássaros da floresta parecessem não se importar com esse barulho cêntuplo; eles pousavam em paz acima dos rolos de fumaça, nos galhos destroçados”. Mais adiante, num exercício de justificar o horror...
 Parecia inclusive que os pássaros eram estimulados pela avalanche de ruídos que rebentava em volta deles”.
O grande livro de guerra, já disse tenho minhas restrições. Ode à brutalidade rasa, nada mais. Exclua as imagens, apague as imanges deste Resgate do soldado Ryanm caro leitor, vamos buscar algum significado na guerra, quem sabe uma ressignificação.
Pois bem, Tempestade de aço é um relâmpago entre a dor e a grande dor. Mas o que seria essa “grande dor?”
Antes das dores, vale lembrar que Junger se alistou logo no início da guerra na expectativa de uma breve aventura. Ocorre que não foi aventura tampouco breve. Outros, assim como Junger, se alistaram com igual propósito. Estes, frente a permanência dos horrores acabaram esquecendo o objetivo primeiro e a aventura foi transformada em aventura em nome da sobrevivência. Demonstravam medo e insatisfação com aquele estado de coisas. Enquanto isso Ernst Junger, o meio nazi, demonstrava estar cada dia mais a vontade naquele cenário.
A intimidade com corpos dilacerados, trincheiras sujas de sangue, valas inundadas, chafurdar, matar, duvido que você não perceba uma certa satisfação nas palavras de nosso narrador.
Jünger escava a guerra, escancara seu espanto, descreve minuciosamente seus ferimentos e de seus companheiros de combate. Mas Tempestades de Aço não é o balanço de uma campanha vitoriosa, é a radiografia da falta de sentido e de como essa falta de sentido é capaz de se tornar o sentido da vida e da morte.
A vida. A morte. E a dor? A dor dos outros, de ver morrer. E não existe dor no matar? Novamente, a dor dos outros. E a grande dor?
A grande dor se manifesta no horror dos feridos, no terror que ronda àqueles que não consideram a guerra uma aventura, ou como Junger, a guerra como um tribunal, a guerra como artífice da justiça.
Tempestades de aço é um livro sobre a mediocridade, tão violento quanto o filme citado há pouco. Repleto de imagens e raso de significados. Oponho a Tempestade de aço aquele que para mim é o grande livro de guerra, o livro sobre a bestialidade humana.  É isto um homem? Se Junger busca a saída para sua aventura armado de granadas, fuzis, facas, Primo Levi, quase nu, faminto, humilhado, desarmado, mostra como o fraco, o oprimido, pode resistir. Não, caro leitor, você não encontrará belicismo na narrativa de Levi, tampouco revanchismo. Apenas o registro. O ser humano faliu. A prova é Junger, Heidegeer et caterva.
Sei que muitos absolverão Ernst Junger, os contraditórios, os mesmos que condenaram Céline. Vai entender!
Mas nunca é tarde para arrependimentos, embora arrependimento não tenha a menor serventia, considere-o como confissão de culpa.
Tempestades de aço foi escrito em 1920. Em 1939 seria publicado, também por  Ernst Junger, Nos penhascos de mármore. Uma alegoria onde o autor denuncia a chegada da barbarie. Um erudito gasta seus dias observando a natureza, enquanto isso um tirano aterroriza aquela região. O mea culpa de Ernst Junger, este sim, um livro a merecer repetidas leituras. 

 

 

TRECHO 

Um mensageiro de um regimento de Württemberg veio ter comigo, a fim de conduzir minha coluna à famosa cidadezinha de Combles, onde deveríamos ficar esperando provisoriamente na reserva. Foi o primeiro soldado alemão que vi  usando capacete de aço e me pareceu, de imediato, um habitante de um mundo estranho e mais duro. Ao lado dele, sentado na valeta da estrada, perguntei-lhe, ansioso, pela situação na trincheira, e ouvi uma narrativa monótona sobre dias agachados em crateras abertas pelas granadas, sem caminhos de ligação nem de aproximação, sobre ataques intermináveis, sobre campos de cadáveres e uma sede louca, sobre feridos convalescendo e sobre outras coisas mais. O rosto imóvel, emoldurado pela borda do capacete de aço, e a voz monocórdia, acompanhada pelo barulho do front, nos causavam uma impressão fantasmagórica. Poucos dias carimbaram aquele mensageiro que deveria nos acompanhar ao reino das chamas, marcando-o com um selo que parecia diferenciá-lo de nós de um modo indizível.

“Quem tomba fica ali, deitado. Ninguém pode ajudar. Ninguém sabe se voltará vivo. Apesar de atacarem todos os dias, eles não conseguem passar; e os que não os deixam passar sabem que é uma questão de vida ou morte.”

Nada mais restava naquela voz a não ser uma grande indiferença; ela havia sido calcinada pelo fogo. Com homens assim se pode lutar.

 

AUTOR

Ernst Junger nasceu em março de 1895, na cidade de Heidelberger, Alemanha. Ainda jovem abandonou a escola para se unir à Legião Estrangeira e alistou-se como voluntário na campanha militar da Primeira Guerra Mundial, pela qual recebeu a Ordre pour le Mérite.Participou também da investida alemã na Segunda Guerra Mundial, mesmo divergindo da ideologia nazista. Eernst Junger faleceu em fevereiro de 1998, com 102 anos, deixando uma vasta obra ficcional e ensaística.

6 comentários:

Anônimo disse...

A sua abordagem é repleta de preconceitos - oriundos de leituras apressadas e/ou ausência de leituras -, especialmente contra Jünger e Heidegger. Cuidado com as interpretações por demais tributárias ao senso comum e às opiniões mais propaladas: o fascismo se serviu muito mais disso do que de Jünger e Heidegger.

Anônimo disse...

Olá! O senhor possui a obra em formato pdf? Em caso positivo, poderia enviar para o e-mail "samwisegamgi@bol.com.br" ? Agradeço.

Anônimo disse...

Olá se puder, pode me enviar a obra em PDF também ? sarahcrsales@gmail.com

Anônimo disse...

Olá,

Se puder me enviar o livro em PDF tbm...

somentedouglas@gmail.com

Anônimo disse...

se tiver o PDf, para erza.namjoon@gmail.com por gentileza

Edélcio Del Vigna disse...

Sou professor de escola publica e estou ministrando aula sobre a 1 guerra. Vc teria o livro em PDF? Quero trabalhar com os alunos e não temos recursos.

Pode me enviar? edelcio.evo@gmail.com