A tuberculose, conhecida
eufemisticamente por tísica, foi uma famigerada doença, muito conhecida no
século dezenove e também no século vinte.
As pessoas fugiam dela como o diabo foge da cruz. A vida do paciente era
um sacrifício. Tudo em casa tinha de ser separado, o quarto, os utensílios
domésticos: copo, prato, colher. Não podia chegar perto de ninguém. Logo que
dei conta de mim, quer dizer, comecei a ouvi os adultos, fiquei sabendo que e
nossa família tinha havido um caso de tuberculose. Uma tia minha tinha morrido
ainda muita jovem de tísica, doença do peito.
Para que se tenha uma noção mais
nítida de como a tuberculose imprimia terror às pessoas, basta transcrevermos um
pequeno parágrafo do livro Infância de Graciliano Ramos. O caso se passa mais
ou menos no inicio do século vinte.
“(...) Minha mãe descobriu nódoa
no chão, raspou o tijolo, apavorou-se ao ter notícia de que ela era sangue de tuberculoso. Lavou muito as mãos,
chorou, desesperou-se, convenceu se de
que as hemoptises velhas iam penetrá-la e matá-la. Fechou o quarto contaminado e
resolveu mudar-se.”
O fantasma da tuberculose entrou
em minha vida através da literatura.
Logo
depois quando comecei a ler os poetas românticos fiquei sabemos que eles
morriam quase todos do chamado mal do século, século dezenove. Qualquer
estudante que conhece a nossa escola romântica sabe disso. A tuberculose era
uma espécie de estigma que coroava os poetas. Mesmo depois do século dezenove
alguns poetas ainda sob a influência do romantismo morreram tuberculosos. No
Piauí podemos citar o caso do poeta Lucídio Freitas.
“O Lucídio faleceu de tuberculose a 14 de maio
de 1921. Tinha vinte e sete anos, era grande poeta, professor da Escola de
Direito de Belém. Mas não era em Belém que ele queria viver, onde teve grandes
triunfos. Ele queria viver era em sua Teresina.”
O pequeno texto é uma declaração de
Luis Ribeiro Gonçalves em entrevista a Manuel Domingos Neto.
Tivemos
um poeta simbolista, Manuel Bandeira, na sua primeira fase, que quase morre de tuberculose.
Nasceu em 1886. Foi para a Suíça se tratar. Escapou. Talvez por não ser
romântico, e sim simbolista. Morreu com mais de oitenta anos. Mas em homenagem
a sua doença escreveu o poema – Peneumotórax.
“Febre,hemoptise,
dispnéia e suores noturnos.
A
vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse,
tosse, tosse.
Mandou
chamar o médico:
-
Diga trinta e três.
=Trinta
e três... trinta e três... trinta e três...
-
Respire.
.......................................................................
-
O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo. E o pulmão direito infiltrado.
-
Então, doutor, não é possível tentar o peneumotórax?
-
Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”
Augusto dos Anjos, se não me
engano, morreu tuberculoso, nos idos de 1914. Tinha raízes parnasianas, mas era
simbolista, um poeta singular. Claro que a tuberculose não escolhia apenas os
poetas para as suas bodas. Mas morrer do pulmão tornou-se quase um ritual para
os poetas, principalmente os românticos. Hoje a medicina evoluiu bastante, e
consegue curar a doença caso o paciente siga a risca o tratamento. E não seja poeta.
Nas minhas leituras de romances
do período romântico deparei-me com muitos personagens tuberculosos. Entre eles
nunca esquecerei a Dama das Camélias. A bela e pálida Marguerite Gautier, amante de estudante de Direito
Roberto Duval.
E já que estou falando da literatura francesa
vou terminar essa crônica infectada de bacilo de Koch tentando resumir um conto
que li há muito tempo em uma coletânea de contos franceses. Era em uma taberna. Uma meia dúzia
de poetas reuniam-se ali para conversar sobre seus temas. Na mesa onde lhe
serviam bebida, com algum tira gosto, havia uma toalha toda manchada de sangue.
Eles bebiam, comiam, tossiam, e enxugavam a boca na toalha. Um por um foram se
ausentando. Quando termina o conto a sensação que se tem é que estão todos
mortos, ceifados pela tísica. Não me lembro o nome do conto. Mas a lembrança do
enredo ficou.
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ilustração: "Ao leito de morte" de Edvard Munch
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