domingo, 29 de setembro de 2013

A doença dos românticos

(Geraldo Borges) 


A tuberculose, conhecida eufemisticamente por tísica, foi uma famigerada doença, muito conhecida no século dezenove e também no século vinte.  As pessoas fugiam dela como o diabo foge da cruz. A vida do paciente era um sacrifício. Tudo em casa tinha de ser separado, o quarto, os utensílios domésticos: copo, prato, colher. Não podia chegar perto de ninguém. Logo que dei conta de mim, quer dizer, comecei a ouvi os adultos, fiquei sabendo que e nossa família tinha havido um caso de tuberculose. Uma tia minha tinha morrido ainda muita jovem de tísica, doença do peito.

Para que se tenha uma noção mais nítida de como a tuberculose imprimia terror às pessoas, basta transcrevermos um pequeno parágrafo do livro Infância de Graciliano Ramos. O caso se passa mais ou menos no inicio do século vinte.

“(...) Minha mãe descobriu nódoa no chão, raspou o tijolo, apavorou-se ao ter notícia  de que ela era  sangue de tuberculoso. Lavou muito as mãos, chorou, desesperou-se, convenceu  se de que as hemoptises velhas iam penetrá-la  e matá-la. Fechou o quarto contaminado e resolveu mudar-se.”

O fantasma da tuberculose entrou em minha vida através da literatura.

               Logo depois quando comecei a ler os poetas românticos fiquei sabemos que eles morriam quase todos do chamado mal do século, século dezenove. Qualquer estudante que conhece a nossa escola romântica sabe disso. A tuberculose era uma espécie de estigma que coroava os poetas. Mesmo depois do século dezenove alguns poetas ainda sob a influência do romantismo morreram tuberculosos. No Piauí podemos citar o caso do poeta Lucídio Freitas.

 “O Lucídio faleceu de tuberculose a 14 de maio de 1921. Tinha vinte e sete anos, era grande poeta, professor da Escola de Direito de Belém. Mas não era em Belém que ele queria viver, onde teve grandes triunfos. Ele queria viver era em sua Teresina.”

O pequeno texto é uma declaração de Luis Ribeiro Gonçalves em entrevista a Manuel Domingos Neto.

               Tivemos um poeta simbolista, Manuel Bandeira, na sua primeira fase, que quase morre de tuberculose. Nasceu em 1886. Foi para a Suíça se tratar. Escapou. Talvez por não ser romântico, e sim simbolista. Morreu com mais de oitenta anos. Mas em homenagem a sua doença escreveu o poema – Peneumotórax.

                              “Febre,hemoptise, dispnéia e suores noturnos.

                              A vida inteira que podia ter sido e que não foi.

                              Tosse, tosse, tosse.

                              Mandou chamar o médico:

                              - Diga trinta e três.

                              =Trinta e três... trinta e três... trinta e três...

                              - Respire.

                              .......................................................................

                              - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo. E o pulmão direito infiltrado.

                              - Então, doutor, não é possível tentar o peneumotórax?

                              - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”

              

Augusto dos Anjos, se não me engano, morreu tuberculoso, nos idos de 1914. Tinha raízes parnasianas, mas era simbolista, um poeta singular. Claro que a tuberculose não escolhia apenas os poetas para as suas bodas. Mas morrer do pulmão tornou-se quase um ritual para os poetas, principalmente os românticos. Hoje a medicina evoluiu bastante, e consegue curar a doença caso o paciente siga a risca o tratamento.  E não seja poeta.

Nas minhas leituras de romances do período romântico deparei-me com muitos personagens tuberculosos. Entre eles nunca esquecerei a Dama das Camélias. A bela e pálida Marguerite  Gautier, amante de estudante de Direito Roberto Duval.

 E já que estou falando da literatura francesa vou terminar essa crônica infectada de bacilo de Koch tentando resumir um conto que li há muito tempo em uma coletânea de contos  franceses. Era em uma taberna. Uma meia dúzia de poetas reuniam-se ali para conversar sobre seus temas. Na mesa onde lhe serviam bebida, com algum tira gosto, havia uma toalha toda manchada de sangue. Eles bebiam, comiam, tossiam, e enxugavam a boca na toalha. Um por um foram se ausentando. Quando termina o conto a sensação que se tem é que estão todos mortos, ceifados pela tísica. Não me lembro o nome do conto. Mas a lembrança do enredo ficou.
 
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ilustração: "Ao leito de morte" de Edvard Munch 

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