domingo, 15 de setembro de 2013

Crônica Minimalistas (6)


 
ENIGMA
 O velho poeta era cego, mas não se queixava. Reza a lenda que, protegido pela eterna penumbra, podia ver o que os outros só imaginavam. Alguns o consideravam sábio; outros, um ilusionista. Metade do país o amava; a outra metade gostaria de vê-lo morto, principalmente os escritores jovens. A comissão julgadora do Nobel gostaria de conceder-lhe o prêmio, mas pesava sobre ele a pecha de ter sido conivente com a ditadura feroz. Com ensaiada indiferença, ele fingia não ligar. Vivia mergulhado num mundo particular, povoado de labirintos, tigres, punhais, espelhos e sonhos. Por não ter filhos, o velho não tinha netos com quem pudesse compartilhar suas histórias fantásticas. Tinha sobrinhos. Certa manhã, um deles, uma menininha de uns cinco anos de idade, aproximou-se dele e perguntou: - Tio, o que você estava fazendo no meu sonho? Decididamente, o velho desconhecia a resposta.
(Cinéas Santos)

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