ENIGMA
O velho poeta era
cego, mas não se queixava. Reza a lenda que, protegido pela eterna penumbra,
podia ver o que os outros só imaginavam. Alguns o consideravam sábio; outros,
um ilusionista. Metade do país o amava; a outra metade gostaria de vê-lo morto,
principalmente os escritores jovens. A comissão julgadora do Nobel gostaria de
conceder-lhe o prêmio, mas pesava sobre ele a pecha de ter sido conivente com a
ditadura feroz. Com ensaiada indiferença, ele fingia não ligar. Vivia
mergulhado num mundo particular, povoado de labirintos, tigres, punhais,
espelhos e sonhos. Por não ter filhos, o velho não tinha netos com quem pudesse
compartilhar suas histórias fantásticas. Tinha sobrinhos. Certa manhã, um
deles, uma menininha de uns cinco anos de idade, aproximou-se dele e perguntou:
- Tio, o que você estava fazendo no meu sonho? Decididamente, o velho
desconhecia a resposta.
(Cinéas Santos)
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