Não foi nada. Não passou de barulho. Nada.
Foi o que sobrou dentro do armário de louças da cozinha. A partir do barulho
nos vimos sem um prato, sem um copo, sem objetos quebráveis. Sem um objeto
quebrável que não estivesse quebrado.
Tudo se deu
quando Thamara, no esplendor de seus quatro para cinco anos decidiu escalar o
armário. Faltou combinar, faltou a aquiescência do gigante de aço que mostrou
sua discordância jogando-se por cima de minha filha. A sorte foi o tamanho, ou
melhor, o tamanho da sorte foi a pequena estatura da menina. O armário não
alcançou seu objetivo, interrompido pela pia da cozinha. Agachada sob o vão que
se formou com o armário, Thamara, levemente assustada.
Não foi nada.
Foi. Foi sim. Foi barulho. Barulho sim, mas sem grito.
- O que
você queria?
- Subir
- Pra quê?
- Pra
chegar lá em cima.
- E
depois.
- Descer
- Por que
não me chamou? Eu levantaria você.
- Eu
sabia, mas queria fazer diferente. Não sabia que o negócio ia desabar. E agora?
- Agora o
quê?
- Onde eu
vou comer minha comida e beber meu suco?
- Vamos
sair e comprar algumas coisas.
- Antes
deixa eu contar o sonho que sonhei essa noite. Sei que você não gosta que lhe
contem sonhos, mas desse você vai gostar. Posso?
Foi assim:
você era um macaco.
-Eu?
-Sim.
- Então foi
esse sonho que motivou a escalada do armário da cozinha, entendi. Eu um macaco,
e você?
-Eu era a
dona do macaco. O macaco era bonzinho, andava solto pelo apartamento, um dia
minha mãe foi levar o lixo e o macaco, você, fugiu. Fiquei muito triste pois todos os dias eu levava meu
macaco à praia.
-Você não foi
mais à praia, é isso?
-Só por que o
macaco tinha sumido?
-Mas o macaco
era eu, quer dizer que se eu sumir agora você vai continuar numa boa?
-Cara eu
estou contando um sonho, um sonho com um macaco, que no sonho era você, é
diferente.
-Minha cabeça
estava no corpo do macaco, como eu era, quer dizer como era esse macaco?
-Pai, que
vergonha!! Você não consegue se imaginar como macaco? Escolhe o macaco que você
quiser. Posso contar o sonho?
Daí o tempo
passou, eu continuava fazendo sempre as mesmas coisas, até que um dia... um
dia... eu estava tomando banho e me dei conta que é muito chato fazer sempre as
mesmas coisas. Foi por isso que ele foi embora. Dei um grito no banheiro, alto,
tão alto, que minha mãe veio ver o que tinha acontecido.
-Aí você
passou a fazer tudo diferente, deixou de ir à praia.
-Tá maluco?
Continuei indo à praia, mas ia por ruas diferentes, um dia ficava ali em frente
a Figueiredo, no outro ia para o posto seis, de vez em quando Leme.
-E quem
levava você?
-Eu ia
sozinha.
-Com esse
tamanho.
-Era um sonho
cara, era um sonho.
-E o macaco?
Quem era seu pai?
-Meu pai era
meu pai, mas ele não aparecia no sonho.
-E o macaco?
-Tá
preocupado com o macaco ou com você macaco? Egoísta.
-Termina essa
história, precisamos sair para comprar uns pratos, uns copos. E aí...
-Aí eu
acordei, cara, não sei se o macaco voltou. Será que o sonho volta de onde
parou?
-Muito sem
graça.
-Cara eu
estava contando um sonho, vai dizer que seus sonhos sempre têm fim, duvido. Eu
acordei e fiquei pensando... pensando e descobri porque os sonhos nunca têm
fim. Não vai perguntar por quê?
-Por quê?
-Por que a
gente não deixa. A gente não gosta do fim das histórias. Quer ver? Eu sei que
você vai morrer primeiro que eu, velhinho... bem velhinho, mas eu não vou ver
você morto, não vou querer saber de velório, enterro, você é o meu macaco, um
dia você foge.
Um comentário:
Legal!!! Minha esposa sempre diz: "Antes de o Santiago (nosso filho) nascer, a gente pensava que era feliz".
É isso! Parabéns, amigo Luiz Horácio, pelo belo texto!
Italo Ogliari
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