domingo, 1 de setembro de 2013

Bilhete para Luísa


Luiz Horácio
 
Passava das três da manhã quando larguei o livro sobre o sofá. Assim que cheguei ao corredor nos encontramos. Você vinha, com seus passos frágeis de dois anos e poucos meses: Vim buscar você, papai.

-Só vou escovar os dentes.

Quando sai do banheiro, você estava ali, encostada na parede, próxima a porta. Estendeu a mão, acompanhei-a até sua cama e fui me deitar junto a sua mãe. Não passaram muito dias para chegar aquele, onde sua mãe iria embora levando você. Ela voltaria, tempos depois, mas já tinha me machucado. Você, a minha quarta filha, aquela que eu me prometera jamais fazer sofrer. Eu, que fizera sofrer a todos até então. Mas impedir sofrimento de filho não é tarefa exclusiva de pai. Sabe, minha filha, se tem coisa que não preciso que me digam é sobre o sofrimento que costumo causar aos outros. Às vezes penso ser esse meu maior talento.

Mas antes, muito antes.

Antes, bem antes, foi a vez de Tatiana, a quem não tive tempo de fazer sofrer, em compensação sofro até hoje a dor de vê-la morrer.

Não, não espere eufemismos, não pense que direi “ela se foi’, “nos deixou”, “partiu para outra dimensão.” Para mim,infelizmente, morreu; acabou. E não tive tempo de fazer o que mais tarde eu escutaria dos lábios de outra filha. Daqui a pouco eu conto.

Eu vi sua irmã morrer...continuo vendo.

Depois, mas não muito depois, veio Pablo, seu irmão , ele tinha três anos quando me afastei, nunca mais consegui me aproximar conforme gostaria. Não sei se seria interessante para ele, quem não foi pai de uma criança, jamais saberá ser pai de um adulto.

Há vinte anos nascia Thamara, essa você conhece, chegamos a viver todos juntos, por pouco tempo.Você não lembra.

Essa sua irmã foi a pessoa que mais me ensinou, só com ela pude ser pai, mas não fui um pai como, sem dúvida, ela merecia. Fiz o que pude, confesso. A verdade, Luísa, é que ela mudou tudo. Ela me fez um pouco melhor. Quando você nasceu eu era um pouco menos rude, alguém menos embrutecido, no entanto ainda não sabia conviver com algumas diferenças e um dia eu e sua mãe nos separamos.

Seu pai precisa melhorar muito, muito mesmo.

Eu olho para você, para Thamara e vejo o quanto preciso de vocês, o quanto vocês têm a me ensinar, a me salvar.

E um dia, a caminho da praia, sua irmã do alto dos seus cinco anos de idade disse: “Não se preocupe, pai, quando você morrer vou guardar todas suas fotos.”

Luísa eu ainda quero ser o pai que você merece. Minha expctativa é não me tornar um monte de fotos.

Este bilhete é para dizer que amo você, por escrito acho que me expresso melhor. Mas eu sei, eu vi aquela tarde lá em casa quando você escrevia uma história aqui neste notebook, você é a melhor entre os  escritores da família. Que mamãe me perdoe.

Beijo

 

Um comentário:

Anônimo disse...


Nossa...essa abertura de coração é tão bonita quanto desconcertante. Eu gostaria de ter uma carta dessas do meu pai.

Lelê Fernandes