Luiz Horácio
Passava das três da
manhã quando larguei o livro sobre o sofá. Assim que cheguei ao corredor nos
encontramos. Você vinha, com seus passos frágeis de dois anos e poucos meses: Vim buscar
você, papai.
-Só vou escovar os
dentes.
Quando sai do
banheiro, você estava ali, encostada na parede, próxima a porta. Estendeu a
mão, acompanhei-a até sua cama e fui me deitar junto a sua mãe. Não passaram
muito dias para chegar aquele, onde sua mãe iria embora levando você. Ela
voltaria, tempos depois, mas já tinha me machucado. Você, a minha quarta filha,
aquela que eu me prometera jamais fazer sofrer. Eu, que fizera sofrer a todos
até então. Mas impedir sofrimento de filho não é tarefa exclusiva de pai. Sabe,
minha filha, se tem coisa que não preciso que me digam é sobre o sofrimento que
costumo causar aos outros. Às vezes penso ser esse meu maior talento.
Mas antes, muito
antes.
Antes, bem antes, foi
a vez de Tatiana, a quem não tive tempo de fazer sofrer, em compensação sofro
até hoje a dor de vê-la morrer.
Não, não espere
eufemismos, não pense que direi “ela se foi’, “nos deixou”, “partiu para outra
dimensão.” Para mim,infelizmente, morreu; acabou. E não tive tempo de fazer o
que mais tarde eu escutaria dos lábios de outra filha. Daqui a pouco eu conto.
Eu vi sua irmã
morrer...continuo vendo.
Depois, mas não muito
depois, veio Pablo, seu irmão , ele tinha três anos quando me afastei, nunca
mais consegui me aproximar conforme gostaria. Não sei se seria interessante
para ele, quem não foi pai de uma criança, jamais saberá ser pai de um adulto.
Há vinte anos nascia
Thamara, essa você conhece, chegamos a viver todos juntos, por pouco tempo.Você
não lembra.
Essa sua irmã foi a
pessoa que mais me ensinou, só com ela pude ser pai, mas não fui um pai como,
sem dúvida, ela merecia. Fiz o que pude, confesso. A verdade, Luísa, é que ela
mudou tudo. Ela me fez um pouco melhor. Quando você nasceu eu era um pouco
menos rude, alguém menos embrutecido, no entanto ainda não sabia conviver com
algumas diferenças e um dia eu e sua mãe nos separamos.
Seu pai precisa
melhorar muito, muito mesmo.
Eu olho para você,
para Thamara e vejo o quanto preciso de vocês, o quanto vocês têm a me ensinar,
a me salvar.
E um dia, a caminho da
praia, sua irmã do alto dos seus cinco anos de idade disse: “Não se
preocupe, pai, quando você morrer vou guardar todas suas fotos.”
Luísa eu ainda quero
ser o pai que você merece. Minha expctativa é não me tornar um monte de fotos.
Este bilhete é para
dizer que amo você, por escrito acho que me expresso melhor. Mas eu sei, eu vi
aquela tarde lá em casa quando você escrevia uma história aqui neste notebook,
você é a melhor entre os escritores da
família. Que mamãe me perdoe.
Beijo
Um comentário:
Nossa...essa abertura de coração é tão bonita quanto desconcertante. Eu gostaria de ter uma carta dessas do meu pai.
Lelê Fernandes
Postar um comentário