domingo, 31 de março de 2013

A banda da minha cidade


Geraldo Borges           
 
A partir do mês de setembro a banda passa quase todo santo dia, treinando, em frente da minha residência. E a banda da Prefeitura. E como pertenço a municipalidade, admito que a banda é da minha rua. Ela passa para tocar para mim. Por isso mesmo escrevendo, ou lendo, no fundo da minha casa, na varanda, que dá para o quintal, e ouço a banda tocar, não consigo ficar sentado. Desconcentro-me. Meus pés e mãos começam a se mexer. Eu me levanto. Abandono livro, caderno, lápis, e saio correndo para o terraço.

Fico olhando a banda passar. Sinto-me maneiro olhando e escutando a banda da minha cidade. Enquanto fico observando os seus componentes desfilarem, são vários: cada qual com o seu instrumento, sua postura, sua galhardia; uns conduzem instrumento de sopro, outros de percussão. Ao lado vai o maestro, dirigindo a banda, lampeiro. Mas eu tenho a impressão que é a banda que vai dirigindo ele. Todos os componentes estão concentrados em suas tarefas musicais. Não saem do tom e mantém o ritmo. O componente da banda que mais me chamou a atenção foi o homem do bombo. È grande, forte, barrigudo, sério. Ele e seu bombo me fizeram rir, embora ambos estejam em devida proporção. E o riso me fez entrar mais ainda no ritmo da banda. De modo que, quando menos espero, sou tomado de uma onda de musicalidade, e já estou marchando também, indo e vindo, no meu terraço, embalado pelo som de todos os instrumentos. Como se tivesse sido arrebatado da minha vida ordinária para um concerto de rua.

A banda não canta nada. Não há nenhum hino patriótico, cívico. Linda galera em noite de lua. Apenas toca e me toca de tal maneira que já me tirou do sério. Ou melhor, como já ficou claro, me tirou  da minha mesa de trabalho, dos meus escritos, de minha arte de escrever. Tirou ou não tirou?  Agora reconsidero. Ao contrário, a banda avivou a minha sensibilidade e introduziu-se como um componente de meu próprio exercício literário.

Quando a banda terminou de passar, houve um silencio pesado, como se todas as coisas voltassem ao seu lugar. Aí eu voltei para a minha mesa, para o fundo de minha casa. E fiquei ouvindo o canto dos passarinhos no quintal.

A manhã  a banda vai passar de novo, mais ou menos a mesma hora. Vai ser assim durante uns quinze dias. Pois os seus componentes estão treinando para o desfile da parada em homenagem a mais um aniversário da cidade. Ai a banda vai tocar para a cidade toda. Por enquanto está tocando só para mim e para quem quiser escutá-la. Pois, dificilmente, por mais atarefado que uma pessoa esteja  para não dar ouvidos à banda que vai passando, é porque não se toca.
 
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desenho: Banda de Música de Cândido Portinari

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