Geraldo Borges
A partir do
mês de setembro a banda passa quase todo santo dia, treinando, em frente da
minha residência. E a banda da Prefeitura. E como pertenço a municipalidade,
admito que a banda é da minha rua. Ela passa para tocar para mim. Por isso
mesmo escrevendo, ou lendo, no fundo da minha casa, na varanda, que dá para o
quintal, e ouço a banda tocar, não consigo ficar sentado. Desconcentro-me. Meus
pés e mãos começam a se mexer. Eu me levanto. Abandono livro, caderno, lápis, e
saio correndo para o terraço.
Fico
olhando a banda passar. Sinto-me maneiro olhando e escutando a banda da minha
cidade. Enquanto fico observando os seus componentes desfilarem, são vários:
cada qual com o seu instrumento, sua postura, sua galhardia; uns conduzem
instrumento de sopro, outros de percussão. Ao lado vai o maestro, dirigindo a
banda, lampeiro. Mas eu tenho a impressão que é a banda que vai dirigindo ele.
Todos os componentes estão concentrados em suas tarefas musicais. Não saem do
tom e mantém o ritmo. O componente da banda que mais me chamou a atenção foi o
homem do bombo. È grande, forte, barrigudo, sério. Ele e seu bombo me fizeram rir,
embora ambos estejam em devida proporção. E o riso me fez entrar mais ainda no
ritmo da banda. De modo que, quando menos espero, sou tomado de uma onda de
musicalidade, e já estou marchando também, indo e vindo, no meu terraço,
embalado pelo som de todos os instrumentos. Como se tivesse sido arrebatado da
minha vida ordinária para um concerto de rua.
A banda não
canta nada. Não há nenhum hino patriótico, cívico. Linda galera em noite de
lua. Apenas toca e me toca de tal maneira que já me tirou do sério. Ou melhor,
como já ficou claro, me tirou da minha
mesa de trabalho, dos meus escritos, de minha arte de escrever. Tirou ou não
tirou? Agora reconsidero. Ao contrário,
a banda avivou a minha sensibilidade e introduziu-se como um componente de meu
próprio exercício literário.
Quando a
banda terminou de passar, houve um silencio pesado, como se todas as coisas
voltassem ao seu lugar. Aí eu voltei para a minha mesa, para o fundo de minha
casa. E fiquei ouvindo o canto dos passarinhos no quintal.
A manhã a banda vai passar de novo, mais ou menos a
mesma hora. Vai ser assim durante uns quinze dias. Pois os seus componentes
estão treinando para o desfile da parada em homenagem a mais um aniversário da
cidade. Ai a banda vai tocar para a cidade toda. Por enquanto está tocando só para
mim e para quem quiser escutá-la. Pois, dificilmente, por mais atarefado que uma
pessoa esteja para não dar ouvidos à
banda que vai passando, é porque não se toca.
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desenho: Banda de Música de Cândido Portinari
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