quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Fujam do rótulo "Economico"

Cinéas Santos



No ano passado, o prof. Miguel Srouge, um dos mais renomados urologistas do país, compareceu ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, para uma daquelas sabatinas que se realizam às segundas-feiras. As perguntas, como era de se esperar, foram centradas na próstata, o pequeno novelo de encrencas com o qual a Natureza brindou os homens para, ora alguém lhes cobrar uma pensão alimentar, ora aninhar um câncer que os levará ao cemitério. Próstata é sinônimo de problema. Lá pelas tantas, Dráuzio Varela, um dos entrevistadores, certeiro como um tiro de lazarina, fez um comentário cáustico e preciso: “A próstata é a melhor prova de que a Natureza não programou o homem para viver mais de meio século. A partir dos 50 anos de idade, ela começa a crescer, comprime a uretra e pode evoluir para um câncer fatal”. Não era a voz de um palpiteiro; era uma sentença irrecorrível. No final do programa, um consenso entre os sábios: todos concordaram que, a despeito dos progressos da medicina, o único exame “confiável” continua sendo o do “toque”, eufemismo que não suaviza nem o desconforto nem o constrangimento do “tocado”.


Ao adentrar o portal dos sessenta anos, tornei-me, compulsoriamente, membro do clube do toque, título que não me envaidece. São as despesas do envelhecer. Deixemos, porém, de literatice e vamos aos fatos. Na semana passada, liguei para o consultório de um urologista a fim de marcar um exame de rotina. A secretária, com aquela impessoalidade de quem trata seres humanos como simples cifras, fez a pergunta padrão: - Qual é o seu convênio? Ao ouvir a resposta, adiantou: - Só no final do mês. Recorri ao expediente que não nunca falha: - E particular? Com voz menos metálica, respondeu: - Podemos marcar para depois de amanhã. Gato escaldado, perguntei: - Quanto custa a consulta? Em vez de uma resposta, outra pergunta: - A normal ou a econômica? Tremi nos tamancos: aquilo seria um consultório médico ou um bazar turco? Apavorado, esqueci a pergunta e lembrei-me das duas vezes na vida em que optei pela classe econômica e, literalmente, me ferrei. A primeira, no Recife. Certa feita, hospedei-me num “hotel econômico” na Praia da Boa Viagem. Além de ter de carregar a bagagem, serviram-me um café da manhã indigesto. Tive uma reira de afinar as tripas. Como no hotel não havia água no banheiro, deixei uma obra (naquela acepção sertaneja do termo) monumental de lembrança. A segunda: um vôo num daqueles paus-de-arara da BRA, de triste memória. Saí de Porto Alegre no início de tarde e, depois de “passear” por Curitiba, São Paulo, Brasília, Goiânia, Belém e São Luís, cheguei a Teresina na madrugada do dia seguinte, estropiado e faminto. Nesse périplo, serviram-me apenas duas barrinhas de cereal e dois copos de guaraná choco. Pensei comigo: exame de próstata na “classe econômica” deve ser dose pra levantar defunto...


Esse incidente serviu para reforçar-me a convicção de que, num mundo de economia globalizada, já não existem as figuras do indivíduo, da pessoa, do cidadão. Existem apenas os consumidores e os não-consumidores. Para não me afastar do universo proctológico, aos primeiros, vaselina importada; aos segundos, areia grossa. São as leis do mercado. As inexoráveis leis do mercado...

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