quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A Proteção do Mosquito

Edmar Oliveira


Está muito próximo o dia em que cada pessoa que mora no Rio de Janeiro terá uma história de violência para contar. E pior, uma história em que foi vítima da violência que se instalou na cidade, ao que parece definitivamente, num processo crescente. Isto quem tiver a sorte de escapar para conduzir a narrativa. Na forma em que acontecem, estas histórias já podem ser classificadas, pelo menos em dois tipos, conforme o agente: violências cometidas pelos fora-da-lei e violências praticadas por agentes da lei. Quanto menor o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de uma comunidade, mais as de segundo tipo são comuns. Mas isto já vem mudando de forma mais democrática.

Não sei se os métodos fora-da-lei cometidos pelos agentes da lei são iguais aos métodos do crime agenciados pelos fora-da-lei. Mas a semelhança vem se instituindo de forma crescente e invadindo os espaços antes protegidos. A diferença só pode ser observada quando examinamos “caso a caso”. Um amigo meu já chama os crimes de segundo tipo de “Síndrome do Capitão Nascimento”, numa referência ao filme “Tropa de Elite”, cujos métodos cruentos que pretendeu denunciar foram incentivados por platéias ávidas por vingança, que nada tem a ver com justiça.

Uma onda de artigos e reportagens recentes traz a narrativa de casos de crimes cometidos por agentes da lei. Casos acontecidos com cidadãos acima de qualquer suspeita e com acesso à mídia. Os que acontecem com os mortais e com o cidadão de segunda categoria das comunidades carentes nem chegam mais a incomodar os jornais. Notícia não é o que acontece de forma comum e repetitiva...

Na segunda-feira do último carnaval, um juiz federal foi preso, algemado, levado à delegacia após ações “corretivas”, físicas e verbais, apesar de ter se identificado, apenas porque estava fantasiado de “malandro” na Lapa, segundo a interpretação da autoridade policial. Para o sargento, aquele chapéu, que imitava palhinha, não deixava dúvidas. O caso foi destaque no noticiário, artigo em jornal e repercussão proporcional à importância da vítima, mas aconteceu e podia ter sido trágico. Um jornalista escreveu um artigo denunciando a proposta de propina feita pelo policial, após um acidente de carro em que foi vítima. O trauma foi tão grande que o missivista declara não dirigir nunca mais. Um chef de restaurante foi agredido por ter fotografado no celular uma agressão gratuita a um casal em plena praia da zona sul. O policial alegou desacato à recusa da entrega do celular com a foto. Imaginemos os crimes que não foram relatados...

Os crimes dos dois tipos, conforme o agente, estão tão semelhantes que me lembram um caso verídico, no qual os papéis ficaram confusos e um mesmo agente encenou os dois papéis. Aconteceu com uma amiga: preferiu ir de metrô, numa manhã de domingo, a um encontro do Conselho Estadual de Saúde que acontecia no Maracanãzinho. Quando atravessava a passarela deserta, que liga a estação do metrô ao Maracanã, percebeu a burrada que cometia. Procurou em volta um assaltante, que não demorou a aparecer, aumentando o seu pânico. Ficou nervosa, deixou cair o celular que perdeu no assalto, além de todo dinheiro em espécie. Ao mesmo tempo em que era roubada, tentava acalmar o bandido dizendo que estava nervosa e por isso o celular caíra e custava encontrar o dinheiro na bolsa. Mas, por fim, assalto consumado, ficou com a bolsa vazia de objetos de valor, foi se dando conta da solidão e de novo perigo. Chama o ladrão de volta e argumenta que ele lhe tirara tudo, que ela ainda tinha um grande percurso a fazer sozinha e que outro ladrão poderia aparecer... Sabe como é, você pode ser agredido só por não ter o dinheiro reservado ao assalto. Enfim, estava pedindo socorro ao bandido, que já tinha feito seu “trabalho”, e aí o inusitado acontece: o ladrão a acompanha, dando proteção policial, até próximo a entrada do Maracanãzinho. Perdeu duzentas pratas e o celular, mas ganhou esta boa história pra contar. E aposto que o ladrão conta este assalto aos colegas, rindo daquela mulher louca. Mas ele fez a proteção policial que faltou.

Nesta confusão de polícia e bandido lembro de outra notícia da minha preferida página de “ciência” das abobrinhas: um cientista descobre que o vírus da dengue não deixa o mosquito se infectar com o vírus da febre amarela. Eles concorrem para ocupar o mosquito. Desta forma a dengue nos protege da febre amarela. Seria assim o papel de nossa polícia? Tristes tempos...

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