Edmar Oliveira
Todos os dias, quando faço minha caminhada matinal no bairro em que moro, sou surpreendido pelos lançamentos imobiliários que mudam a feição de Jacarepaguá. Bairro da zona oeste do Rio de Janeiro foi, até bem pouco tempo, local de sítios e chácaras com suas casas e calçadas largas. O recente "boom" da construção civil envia os problemas da cidade grande ao antigo pacato subúrbio. O trânsito caótico, buzinas e pessoas em movimento abavam os sons dos pássaros e polui o ar das montanhas que respirávamos no vale. E, se mudo o percurso do meu caminho, descubro a cada dia um novo prédio em construção no lugar daquela casa, daquele sítio. O progresso arranha o céu, destrói o curso das águas, incendeia as matas, revira a terra. Mas qualquer plano de aceleração de crescimento amiúda a métrica da poesia. Fazer o quê? A gente reclamava era da falta de emprego que agora chega.Tudo tem dois lados, pelo menos. João do Vale, o grande poeta maranhense, tem uma música contundente sobre o aperreio de Deus para atender dois sertanejos: a lavadeira pede sol pra secar a roupa; o lavrador chuva. Os dois com a mesma razão...
Mas voltemos ao progresso do meu bairro. Todo dia um prédio brota do chão com um "marketing" agressivo. Só que fiquei espantado com as promessas de consumo. Parecem, todos, a mesma proposta. Além dos nomes em inglês, academias e outros atrativos para não se sair de casa, todos, todos mesmos, prometem um parque de águas. Piscinas, cascatas, corredeiras, tobogãs e outras promessas de águas azuis estão estampadas nos painéis grandiosos, que encobrem o canteiro de obras onde os conterrâneos suam em bicas armando em cimento um sonho que não será vivido por eles.
Encasquetei com este motivo comercial. Venda de águas nos condomínios modernos! Parece ser uma boa estratégia, já que todos adotaram a mesma promessa. Mas tanta água para diversão num planeta em que ela já falta? Seria uma preocupação justa ou apenas trauma de nordestino que não suporta ver água desperdiçada? Não é apenas aquele velho comercial que prometia um apartamento com duas vagas na garagem e cinco na piscina. Vende-se agora um apartamento conjugado a um parque de águas condominial. A julgar pelos desenhos dos painéis e das maquetes ninguém precisará sair de casa para ir à praia. Em alguns parques até areia da praia está colocada. Meu queixo caiu. Pois lá em cima, no sertão, meu mundo caía quando não se tinha uma cacimba por perto.
Mas dizem que andar faz o pensamento desandar. (Talvez por isso, ou contra isso, os loucos são andarilhos insaciáveis). Na minha caminhada matinal, recurso necessário para atenuar o sedentarismo contraído na modernidade, dano a pensar nessas coisas que depois sistematizo escrevendo (ou "escrevanizo" confundindo). E o pensamento desatina: em cada chácara ou cada sítio morava uma família com verde em volta e águas de curso normal a correr. Para cada prédio uma vasta área é desmatada, terra revolvida, cursos d'água alterados. Cinqüenta ou setenta famílias na vertical ocupam o espaço de uma família da casa horizontal. Os carros destas gentes são empilhados à noite para congestionar as ruas de manhã. E a "água servida" destas gentes serão suportadas nos esgotos antigos da outrora rarefeita malha habitacional do meu bairro? Fico imaginando se um dia estarei caminhando quando as descargas dos muitos banheiros coincidirem em um mesmo momento. Eu e os parques de águas azuis seremos afogados em merda quando os esgotos quebrarem o asfalto e a natureza expulsar nossos dejetos de suas entranhas? Confesso medo enquanto aperto o passo...
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fotos de celular de painéis de prédios em Jacarepaguá
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