quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Conversa de Velhos

Cinéas Santos

Em Teresina, até as pedras sabem da minha aversão a telefone celular. É coisa antiga. Não se trata, como pensam alguns, de simples capricho de velho rabugento. É que existe entre mim o esse brinquedo do cão um fosso intransponível, uma incompatibilidade insanável. O celular “sabe” que não o aprecio; em represália, nunca me serve quando a ele recorro. O jogo não sai do zero a zero. No mês passado, de Pio IX, passei uma tarde inteira tentando uma ligação para Teresina. Nada. No display da caixinha mágica, só a frase inigmática: “buscando rede”. Lá pelas tantas, perdi a paciência: fui ao mercado da cidade, comprei uma rede de embira de caruá e deixei o bicho madornando nela a noite inteira. Vai ter preguiça assim lá na casa do capiroto, diacho!

Tenho miríades de razões para não gostar de celular. Em primeiro lugar, esse trem vicia mais do que coca-cola e nicotina, juntas. Em segundo lugar, como confiar num artefato que é capaz de perturbar a complexa ecologia de um Boing? Não bastasse isso, as operadoras estão sempre oferecendo uma carrada de “vantagens” para você mudar de plano, trocar o aparelho, etc. É pior do que casamento com viúva pobre carregada de filhos.

Ao longo da vida, sempre me neguei peremptoriamente a portar esse guizo eletrônico. Tinha pronto, na ponta da língua, um argumento irrefutável: não sou cardiologista, nem delegado de polícia, nem corretor. Quando não estou é porque não quero ser encontrado. Mas a vida tem curvas. Vai que meu filho, no dia dos pais, resolveu fazer-me um “carinho” e pendurou o chocalho da aldeia global no meu pescoço. Me deu um celularzinho peba, desses de cartão, que não mandam e-mail, não fotografam, não fazem mapa astral. Só acidentalmente, o meu completa uma chamada. Pronto: foi o bastante para desassossegar a minha vida. Na semana passada, por exemplo, uma velha amiga me ligou do Rio de Janeiro para uma consulta rápida: queria saber se, em determinado contexto, devia usar este ou esse. É pouco? Acrescente-se a isso a gozação dos amigos. Ontem mesmo, a jornalista Isabel Cardoso ligou apenas para confirmar se “o dinossauro estava realmente online”, sorriu e desligou. Mas o melhor, digo, o pior ainda estava por vir.
Na semana passada, em plena sessão do Conselho de Cultura, o bicho estrebuchou (o meu é mudo) no meu bolso. Não atendi. Terminada a sessão, dirigi-me à Oficina da Palavra onde tinha compromisso agendando com o mestre Santana. Muito bem acompanhado (uma mulher bonita ao lado), Santana recebeu com a elegância que o caracteriza: “Como vai o nobre amigo?”. Lembrei-me da chamada e resolvi retornar a ligação, cujo autor não consegui identificar. Deu-se então uma cena que nem Woody Allen, sem seus melhores momentos, seria capaz de imaginar.
-Alô!
- Quem fala?
- Companheiro, estou apenas retornando uma ligação...
- Não sei do que se trata.
- Meu senhor, quem está falando é o professor Cineas. É que ...
- O Cineas está aqui ao meu lado, você quer falar com ele?

Nessa altura do campeonato, a jovem e bela cidadã, que a tudo assistira, não conseguiu conter: desmanchou-se em gargalhada. Eu estava falando ao telefone justamente com o Santana, ao meu lado. Olhamo-nos envergonhados, desligamos nossos brinquedos inúteis e fomos tomar um cafezinho. Para disfarçar,passamos a discutir o calvário do Flamengo no brasileirão. Acreditai, irmãos, envelhecer dói!

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Esta crônica já é velha. Mas os velhos repetem os assuntos toda hora. Mestre Cinéas comparece no espaço sideral mais uma vez. E de forma magistral...

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