domingo, 20 de março de 2016

Os velhos meninos do Rio




(Leo Almeida)

Há alguns minutos conversam nada discretamente. Riem alto, falam alto. Contei, lá se foram dois cigarros bem tragados e, depois, jogados na calçada. Acabou de acender o terceiro. Que coisa feia! Penso com meus eus encalacrados. Refiro-me aos maus modos do mais alto deles, o fumante, um sujeito grande, corpanzil bronzeado, muitos pêlos e conversa esperta. O mais baixo é calvo, sunga preta, sem camisa, sandália de dedo. Presumo que veio da praia, tem areia nas canelas brancas. O outro, o fumante de maus hábitos, tem cabelos grisalhos, amarrados, num rabo de cavalo prateado. Usa uma pulseira de couro. A testa, muito vermelha, avança no território capilar, como terra devastada por madeireiros inescrupulosos. Me pego sorrindo com essa ideia estapafúrdia do desmatamento capilar do sujeito, que também usa uma sunga, vermelha, velhinha, pois um pouco desbotada. Juntos, presumo, devem somar bons 120 anos de praia. Muita história pra contar. Muita maresia. Enquanto trocava a bateria de meu relógio, num chaveiro na esquina da Paula Freitas com Nossa Senhora de Copacabana, fiquei observando o papo daqueles dois velhos meninos do Rio. A conversa passou do futebol para a política e dessa para o jogo do bicho, que o mais baixo deles tinha faturado. Coisa pouca, ele disse, mas dá para umas “cervas” no Real Chopp. O outro, que descobri chamar-se Roberto, ou Alberto, ou Gilberto, pois o tratavam simplesmente como Beto, tinha uma tatuagem no braço esquerdo e era torcedor do Fluminense, denunciava-o a camisa tricolor repousando no ombro. Pés descalços. Era cumprimentado por grande parte dos transeuntes, razão pela qual deduzi que devia morar ali pertinho. Parecia mesmo estar no quintal de casa, tal a desenvoltura exibida em plena calçada. Aparentavam ser amigos há séculos, mas isso não me dá certeza alguma, pois o carioca, quando conversa, passa a boa impressão de te conhecer há séculos. Mas eu preferi investir na ideia de que eram realmente amigos de antigos carnavais. O mais baixo, no segundo casamento, quatro filhos. O cabeludo, 4 casamentos e várias aventuras que lhe renderam filhos espalhados pela Penha, Campo Grande e Niterói, mora com a mãe e um cachorro viralata, batizado Lennon. Aposentou-se recentemente e complementa os seus parcos rendimentos com a pensão que a mãe recebe como viúva de militar. Combinam um vôlei no Posto 3 “qualquer hora dessas” e sabem que não vão mesmo jogar essa partida, em hora alguma. Despedem-se com um abraço meio sem jeito, cheio de areia e suor e, tenho toda certeza, saudade sincera dos meninos que um dia foram.





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