domingo, 6 de março de 2016

Os burros e as carroças

 
sentido horário: as balsas do Parnaíba; a ponte velha; a ponte nova e a cidade nova; a cidade velha e as carroças

(Geraldo Borges)

               Quando cheguei com a minha família em Teresina para estudar, vindo de uma fazenda no Maranhão, desembarcamos à beira do cais do rio Parnaíba, a altura do local onde hoje é o Troca-Troca, ao lado das rampas onde as mulheres lavavam roupa. Nesse tempo ainda singravam o canal do Velho Monge os antigos navios gaiolas, os vapores de carreira e rebocadores de barcas, e que faziam viagens redondas.

               A gente desceu o rio de balsa, uma espécie da jangada, trazendo a nossa mudança; pouca coisa. Pois na cidade o estilo de vida é diferente. Trouxemos apenas o indispensável. Levamos os trens para casa em carroças tocadas a burros. Eu ainda não conhecia carroça. Conhecia apenas carro de boi. Na fazenda burro  servia apenas para botar sela e cabresto, e viajar para resolver negócios na sede do município; era mais resistente do que cavalo; Nunca vi um cavalo puxando carroça. Cavalo puxa carruagem. Quantos aos burros, eles têm uma história relevante na formação cultural do Brasil. Foram responsáveis pela difusão do comercio, notadamente na região nordeste. Com suas famosas caravanas de tropeiros.

               Com o desenvolvimento da cidade o normal seria as carroças terem desaparecido, e hoje serem peças de um museu do transporte. Mas o diabo é que a cidade tem muita a ver ainda com o campo. E isto não aconteceu.

               Hoje, em pleno século vinte e  sob o signo do asfalto e da velocidade,  costuma-se vê  carroceiros estalando o chicote no lombo de seu burro pelas ruas da cidade, como se a modernidade tivesse feito um hiato e voltado para os primórdios da Idade Media.

               Uma vez, fui  surpreendido,  com um burro correndo no meio da rua por que atrás dele vinha um caminhão buzinando. Aquilo me pareceu desesperador, até que o pobre animal conseguiu fazer um desvio para uma rua paralela. E tomar fôlego.

               Um burro com sua carroça compõem uma cena típica de identidade cultural piauiense. Podemos dizer que existem  duas Teresinas: as dos burros puxando carroças e as dos motorista de carros, afora outras, invisíveis, que, ainda, não foram inauguradas publicamente.

               Não sei, nem adivinho como os donos dos burros tratam os seus animais. Com certeza, não têm cocheiras adequadas para cuidar deles. Talvez  passem fome. Uma vez vi um burrico comendo capim nascido do lodo no rego da calçada de um vizinho. E muitas vezes de manhã cedo vejo  carroceiros passar  defronte lá de casa. Pelo visto  são bastante procurados. E para quem está  interessado em contratar um carroceiro, para algum serviço, eles fazem ponto na Praça do Marques. Agora para quem quiser conhecer burros mitológicos, literários, grandes personagens da cultura ocidental  e só ler O Asno de Ouro de Apuleio  ou Platero  y Yo de Juan Ramon Jimenez. Quando eles falam os outros burros murcham a orelha.






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