domingo, 6 de março de 2016

Nortristeresina


(Chico Castro)

O CD Nortristeresina lançado no ano passado num clima de festa em Teresina foi o mais importante registro fonográfico surgido no panorama da Música Popular Brasileira
de matriz piauiense. Embora encoberto por mais de quatro décadas  desde a famosa viagem empreendida por um grupo de jovens a Londrina, em 1974, para uma apresentação na famosa cidade no interior do Paraná, o evento continua vivo na memória coletiva do meio artístico local.

 O largo período de temporalidade não empalideceu a importância que o show, agora disponibilizado para o grande público em forma de disco, teve para o que de melhor existe na definição da cultura contemporânea do Estado. Pode-se afirmar que a modernização da cultura piauiense se deu em vista da implantação do Projeto Piauí na primeira gestão do ex-governador Alberto Silva.

A linha  de produção do CD ficou sob os auspícios do médico e produtor Viriato Campelo e  do também médico e cantor  Rubens Lima. Mas, inicialmente, o trabalho remonta ao ano de 2011 quando uma fita K-7  original caiu nas mãos do músico e empresário George Mendes que, com o auxílio luxuoso do violonista e compositor Geraldo Brito, pôde dar nova amplitude ao show digitalizando-o e dando-lhe nova roupagem sonora e técnica.

Foram igualmente recuperadas fotografias antigas, falas, textos e uma reconstituição possível da época, cujo cenário artístico não perdeu sua verdadeira vitalidade e ilustração, mesmo decorridos um tempo considerável e  um longo  espaço de fermentação em que todo o avanço cultural decorreu brilhantemente daquele  período até os dias atuais.

Ao ouvir as nove músicas de que se compõe o disco, experimentei outra vez o inusitado prazer de estar diante de um documento de ousadia de uma geração que se dispôs a fazer, do que simplesmente possuía, um projeto autoral, num ambiente  teresinense do início da década de 70, marcado por show’s  que tinham como referência os grandes hit’s da MPB e da música internacional.
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Em sentido contrário ao senso comum, Menezes y Morais, Pierre Bahiano, Laurenice França, Assis Davis, Paulo Batista, Albert Piauí, Márcio Thé, Fátima Lima e o casal 20 Inácio Costa & Catarina de Sena são personalidades oriundas da mesma fornalha imaginativa e luminosa, não obstante a presença de outras figuras anteriormente emblemáticas como Silizinho e Walter Sampaio, Raimundo Moura e Levi Moura, assim como o conjunto musical Os Milionários, que também tiveram uma papel preponderante na música popular piauiense.Se bem que não pode ficar de fora o  som alucinante dos Brasinhas e Metralhas, dos Lord’s e The Dândis, dos Fantasmas e de Barbosa Show Bossa, dentre tantos outros grupos que animavam a badalada noite teresinense.

Nortristeresina é um CD para se ouvir e refletir, pois ele traz à luz do século XXI a fidelidade e o  roteiro do show realizado em Londrina há mais de quarenta anos. O referido espetáculo e a destemida  viagem abriram um link criativo escancarando um estandarte  para as gerações futuras, que só décadas após  tomaram conhecimento pela boca dos outros a respeito do poder jovem dos  maravilhosos e psicodélicos anos 70.Não custa nada lembrar que o celebérrimo single Space Oddity, do recém-falecido andrógino David Bowie,um selo distintivo da contracultura internacional, alcançou um estrondoso sucesso nas ondas de rádio de todo mundo em  1969!

 O que impressiona,depois de tanto tempo, é que a agitação underground  feita no Piauí, na música e na poesia, a priori, estava sintonizada com o movimento de igual jaez  que se realizava no eixo Rio-São Paulo na aurora dos anos 70, ali praticado por artistas que se tornaram monstros sagrados da cultura brasileira. O disco é uma grande chance para afinar os ouvidos desafinados deste início barulhento de 2016.

Chico Castro, 62 anos, é poeta.

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