(Edmar Oliveira)
setor urbano da cidadela |
Quando os espanhóis dominaram e saquearam Cuzco, quase na
metade do século XVI, inclusive pedindo e recebendo o peso do Inca Atualpa em
ouro (mas mesmo assim lhe decepando a cabeça) mostraram que o conquistador era
um inimigo cruel. Inclusive em todos os templos sagrados dos nativos foram erguidas
igrejas católicas impondo a fé cristã ao povo dominado. Os sinais eram claros
de que a cultura do dominador seria imposta a ferro e fogo. Por essa época, os remanescentes
das dinastias das elites quéchuas se refugiaram numa cidade inca perdida na
selva. O segredo costurou os lábios dos incas e os espanhóis amargaram a
derrota de nunca encontrar a cidadela perdida, apesar de saberem de sua
existência.
Já quase no outono do século XIX um cartógrafo alemão
registrou as montanhas, a velha e a nova, que no dialeto quéchua se falava
Machu Picchu e Wayna Picchu. Mas a cidadela perdida entre as duas montanhas só
seria vista pelos remanescentes dos conquistadores no alvorecer do século XX,
quando um arqueólogo americano foi apresentado as ruinas de uma cidade que
nunca deixou de ser vista pelos herdeiros da cultura inca: a cidadela perdida
de Machu Picchu.
As ruinas atestam a força da civilização quéchua.
Transformadas em patrimônio da humanidade impressionam até hoje. A cidadela
está dividida em dois setores, o agrícola e o urbano. Os dois impressionam pela
organização e arquitetura.
setor agrícola com observatório em 1° plano |
O setor agrícola é dividido em planos, aproveitando a
geografia da montanha com locais específicos para o cultivo de espécies que
brotam em solos diferentes. A irrigação se faz pela força da gravidade a partir
de uma fonte no alto da montanha. A água é acumulada na parte de trás do setor
agrícola e a força da gravidade faz a distribuição nos planos destinados ao
cultivo de cada espécie. E na variedade desse solo o milho, por exemplo,
brotava em diversas variedades de cores e sabores, inclusive no vermelho, que
faz a saborosa bebida chicha morada, usada antigamente nos rituais religiosos.
O setor urbano mostra uma fortaleza inexpugnável. Uma porta
principal, como a de um castelo e janelas trapezoidais nas muradas com dupla
função: ter um olhar do vale da montanha muito ao longe e ao curso do rio
Urubamba, caminho natural que vem de Cusco; ao mesmo tempo em que o formato
trapezoidal protege a construção dos humores de frequentes terremotos.
Observatórios astrológicos apontam para o equinócio solar ou as constelações
celestes, mostrando ainda um pouco de como era avançada a ciência dos quéchuas.
Os templos, as construções de moradia atestam a perícia daquela civilização no
corte da pedra e na sua montagem, que os mais inteligentes estudiosos ainda não
desvendaram como eram feitos.
Ainda um mistério: a cidadela perdida foi abandonada por
seus habitantes em algum momento do século XVIII, sem que os estudiosos da
civilização ocidental tenham achado um motivo justificável para o abandono.
Nenhuma catástrofe, nenhuma seca, nenhuma guerra, que são as razões que a nossa
compreensão é capaz de admitir. O Piauinauta ficou rindo com seus botões: e se
o abandono foi apenas para evitar a conquista e premeditado para conservar
aquele vestígio de civilização para quando os conquistadores ficassem mais
calmos e não precisassem “ganhar” a posse do conquistado? E para quando tivessem
a paz para recuperar as ruinas? Os deuses incas são mais espertos...
porta principal com Wayna Picchu ao fundo |
Na década de setenta o Erich von Daniken escreveu um monte
de bobagens atribuindo as construções aos “deuses astronautas” porque a arrogância
do colonizador não pode permitir que a civilização conquistada possa ser
superior a sua. O Piauinauta ficou admirado com a arquitetura inca e a
arrogância do colonizador incapaz.
________________________
Algumas notas:
(1)
A comparação do inca ao incapaz espanhol foi
feita por um quéchua a nós.
(2)
O quéchua é um idioma traiçoeiro: Picchu se pronuncia
‘pit-chu’ (montanha). A pronúncia ‘pichu’ significa pênis. E aí não é mais montanha
velha, mas pau velho, o que provoca um sorriso maroto nas quéchuas.
(3)
A viagem hoje se faz em um moderno trem de Cusco
a Aguas Calientes. Mas os aventureiros podem fazer trilhas de 15 dias, 7, 3 ou
mesmo 1 dia saindo das várias estações que o trem para.
(4)
Machu Picchu é menos alto que Cusco (chegava-se
rio abaixo e no vale se subia à Montanha Velha), o que não tem problemas de
adaptação para quem chegou até Cusco. Não há motivo para não ir. Do vale até a
montanha se faz em confortáveis ônibus. A trilha na cidadela é fácil.
Encontramos uma senhora com bengala e um banco portátil, para descanso.
(5)
Hoje chega cerca três mil visitantes por dia. Na
trilha da montanha velha para a nova só é permitido 400 pessoas por dia. E a
trilha é muito íngreme. Claro que não fomos. Dizem que é a melhor vista da
cidadela.
(6)
Por conta dessa quantidade de turistas, foi
descoberto que a cidadela vem cedendo e afundando. As autoridades pensam em
proibir visitas locais brevemente e substituir por uma rede de teleféricos.
Agradeço pela oportunidade de pisar no solo sagrado quéchua.
Um comentário:
Machu Picchu, é o mais imponente e importante monumento da humanidade. Por si só diz tudo, inclusive mostra com clareza, o tamanho da imbecilidade humana.
Chico Salles.
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