domingo, 5 de janeiro de 2014

De volta ao começo


 
 
(Salgado Maranhão)    
 
“Depois da morte de Jaci aconteceu algo que só agora posso revelar.” Assim começa  este “Terra do Fogo”, de Edmar Oliveira, que nos torna reféns de sua elegante  narrativa. Trata-se do retorno ao cenário de uma certa infância nas margens do Rio Parnaíba, infância que acompanha o narrador na idade adulta. Através dela seguimos apalpando com a imaginação suas vivências exumadas nas gavetas da memória: o cheiro da terra molhada; a casa velha e empoeirada, com seus utensílios fora de uso; as vozes humanas perdidas no irrevogável ontem.  Nessa obstinada busca de remontar o mosaico do vivido nas ínfimas relevâncias da vida miúda, não há situações preferidas, posto que, mesmo no cascalho das dores passadas, é possível encontrar alguma pepita de alegria.

     Devagar, as lembranças vão se levantando para recebê-lo no casarão em que passou um pedaço importante do início de sua vida, e, na medida em que adentra  o recinto tão conhecido do seu imaginário, as camadas sobrepostas do passado se revelam: “Com o candeeiro a iluminar o percurso, passei pelo quarto de hóspede que habitei no passado e nesse não era preciso descobrir os móveis, pois os lençóis não cobriam o que conhecia tão bem. Mas, me detive por um tempo para recordar o que estava por baixo dos panos.”

     E o narrador prossegue na primeira pessoa a incorporar as lembranças da tia Jaci e do seu Alarico, o velho comunista que estruturou, politicamente, sua visão de mundo; prossegue arrastando fatos que inquietaram o Piaui da década de 1940, como os incêndios  das casas de palha, em Teresina. O livro se apodera dessas lembranças, para relatar  o desmonte das populações despossuídas, em face da mudança de pele da cidade, do avanço indiscriminado dos poderosos sobre a área dos pobres.

     Não é pouco o que esta obra guarda em suas páginas de histórias desdobráveis, ordenadas em camadas sutis, uma coisa puxando a outra, num tecido verbal de fios que se entrelaçam.

      Sem dúvida, neste “Terra do Fogo”, o leitor encontrará os ingredientes de uma  trama romanesca instigante, onde os conflitos de uma época se misturam a dramas familiares que envolvem amor, lealdade e traição, repaginados pelo olhar de alguém que se redescobre nas pegadas da sua infância, pois como já nos disse o famoso samba:”Voltar /quase sempre é partir/para outro lugar”.

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