Edmar Oliveira
Brasília é uma cidade estranha. Fora a luminosidade do céu
azul de arder nos olhos, que eu gosto, a grandiosidade da cidade de concreto
enfiada na terra vermelha não me agrada. É tudo muito longe, parece uma cidade
desabitada. Quase ninguém na rua, os automóveis compõe a cena da cidade-maquete
em grande velocidade. Os carros só dobram à direita, mesmo que queiram ir pra
esquerda. O transporte público é quase inexistente e o metrô voa com uma asa
só. Os bares só diferem na decoração, pois tem todos a mesma planta com o
banheiro em cima ou em baixo, nunca no mesmo plano em que se toma cerveja. Não
consigo entender a numeração das quadras e sempre acho que estou no mesmo
lugar. Mas ela continua lá, como uma cidade futurista no cerrado central do
Brasil e decidindo os destinos da pátria com os três poderes em concreto
armado.
Pois bem, comprovando a estranheza da cidade, os jornais
noticiaram que uma suçuarana, isso mesmo, uma onça-parda, se aproximara demais
do palácio da justiça, admirada com aquela cidade vazia que apareceu assim de
repente entre a savana escassa do cerrado. Não foi a onça que se perdeu do seu
habitat, foi a cidade que invadiu a savana há muito tempo. A onça estava
escondida naquela cidade deserta e, vez por outra, comia um deputado do baixo
clero que ninguém dava por falta. Funcionários públicos ela comeu de montão e
não se notou a menor falta nos gabinetes parlamentares. O tempo passava e nossa
suçuarana, cada vez mais gorda, se alimentava de gente que sobrava nos
corredores do poder.
Um belo dia ela mordeu a perna do Sarney e deu com os burros
n’água. Devia ter tentado comer o Demóstenes, que ninguém ia reclamar. Foi se
queixar com a Presidenta e Dilma disse que ninguém rosnava mais alto do que ela
no Planalto. E que Sarney era um aliado de primeira hora, assim como Renan,
Collor, Barbalho e tais. Que a onça não se atrevesse a desfalcar a base aliada.
É certo que a Suçuarana foi se queixar na Justiça, justo
quando os magistrados estavam engalfinhados numa briga interna na passagem do mais
alto cargo daquele órgão. A onça não entendeu nada, pois achava que estava
fazendo um bem a nação na sua comilança saneadora. Os juízes não quiseram ouvi-la
e organizaram uma caçada ao felino. A polícia militar e os bombeiros foram
chamados para pegar a onça.
Acordei com o jornal meio caído, mas na certeza de que a
história que eu sonhei era muito melhor da que estava escrita. Mas a suçuarana sumiu
como apareceu deixando a impressão que meu sonho bem podia ter acontecido.
3 comentários:
Se o final do seu texto fosse como aquelas novelas em que tivessemos a alternativa de escolher o final um ou dois, eu escolheria o dois em que a susuarana, comeria muito mais gente, e viraria heroina nacional, com direito a busto de metal na esplanada.
Sempre tentei dar a Brasilia uma definição, sobre o silencio, a arquitetura, o labirinto das"curvas à direita",e o que eles dizem, "se não tem mar vamos pro bar", parabéns você finalmente encontrou, cidade-maquete.
belo texto. tem humor brasileiro e para orgulho nosso, piauiense. nunca teria podido pensar num felino saneador da corrupção central e ameaça ao governos de companheiros e camradas. parabéns. Que sorte ter alguém que dá o salto do gato e tranforma um pessaeio matinal de uma onça no planalto em assunto de política crítica e alerta. Muito bom.
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