domingo, 29 de abril de 2012

A Onça em Brasília


Edmar Oliveira
Brasília é uma cidade estranha. Fora a luminosidade do céu azul de arder nos olhos, que eu gosto, a grandiosidade da cidade de concreto enfiada na terra vermelha não me agrada. É tudo muito longe, parece uma cidade desabitada. Quase ninguém na rua, os automóveis compõe a cena da cidade-maquete em grande velocidade. Os carros só dobram à direita, mesmo que queiram ir pra esquerda. O transporte público é quase inexistente e o metrô voa com uma asa só. Os bares só diferem na decoração, pois tem todos a mesma planta com o banheiro em cima ou em baixo, nunca no mesmo plano em que se toma cerveja. Não consigo entender a numeração das quadras e sempre acho que estou no mesmo lugar. Mas ela continua lá, como uma cidade futurista no cerrado central do Brasil e decidindo os destinos da pátria com os três poderes em concreto armado.

Pois bem, comprovando a estranheza da cidade, os jornais noticiaram que uma suçuarana, isso mesmo, uma onça-parda, se aproximara demais do palácio da justiça, admirada com aquela cidade vazia que apareceu assim de repente entre a savana escassa do cerrado. Não foi a onça que se perdeu do seu habitat, foi a cidade que invadiu a savana há muito tempo. A onça estava escondida naquela cidade deserta e, vez por outra, comia um deputado do baixo clero que ninguém dava por falta. Funcionários públicos ela comeu de montão e não se notou a menor falta nos gabinetes parlamentares. O tempo passava e nossa suçuarana, cada vez mais gorda, se alimentava de gente que sobrava nos corredores do poder.

Um belo dia ela mordeu a perna do Sarney e deu com os burros n’água. Devia ter tentado comer o Demóstenes, que ninguém ia reclamar. Foi se queixar com a Presidenta e Dilma disse que ninguém rosnava mais alto do que ela no Planalto. E que Sarney era um aliado de primeira hora, assim como Renan, Collor, Barbalho e tais. Que a onça não se atrevesse a desfalcar a base aliada.

É certo que a Suçuarana foi se queixar na Justiça, justo quando os magistrados estavam engalfinhados numa briga interna na passagem do mais alto cargo daquele órgão. A onça não entendeu nada, pois achava que estava fazendo um bem a nação na sua comilança saneadora. Os juízes não quiseram ouvi-la e organizaram uma caçada ao felino. A polícia militar e os bombeiros foram chamados para pegar a onça.

Acordei com o jornal meio caído, mas na certeza de que a história que eu sonhei era muito melhor da que estava escrita. Mas a suçuarana sumiu como apareceu deixando a impressão que meu sonho bem podia ter acontecido.  

3 comentários:

ozias disse...

Se o final do seu texto fosse como aquelas novelas em que tivessemos a alternativa de escolher o final um ou dois, eu escolheria o dois em que a susuarana, comeria muito mais gente, e viraria heroina nacional, com direito a busto de metal na esplanada.

ozias disse...

Sempre tentei dar a Brasilia uma definição, sobre o silencio, a arquitetura, o labirinto das"curvas à direita",e o que eles dizem, "se não tem mar vamos pro bar", parabéns você finalmente encontrou, cidade-maquete.

Letras e letteras disse...

belo texto. tem humor brasileiro e para orgulho nosso, piauiense. nunca teria podido pensar num felino saneador da corrupção central e ameaça ao governos de companheiros e camradas. parabéns. Que sorte ter alguém que dá o salto do gato e tranforma um pessaeio matinal de uma onça no planalto em assunto de política crítica e alerta. Muito bom.