domingo, 27 de fevereiro de 2011

Depressões

Luiz Horário



Não, inocente leitor, não tente entender as premiações literárias. Critério é palavra sem prestígio nesse território onde a política, o compadrismo e o jogo de interesses ditam regras.



Eis que Herta Muller vence o Nobel de 2009 nem assim sua obra merece atenção, Chico Buarque, cuidado, ele é candidatíssimo ao Nobel; tem assessoria de imprensa muito,mas muito mais eficiente.



Pois bem, Depressões é o livro de Herta Muller em questão, seu primeiro livro, agora lançado com o estardalhaço garantido pelo prêmio. Mas antes, bem antes,2004, a mesma editora publicou O compromisso, misto de viagem no tempo,onde a autora mostra algumas chagas do comunismo, e crônica do tédio,o mais fétido dejeto do regime. Resta no entanto uma alternativa: denunciar. Denunciar o parente, o vizinho, o colega inimigo do comunismo. Equívoco do resenhista, perdoe, ainda resta outra alternativa: o álcool.



Em Depressões, ávido leitor, você encontrará mais, mas muito mais, do mesmo. Herta Muller, embora mais pragmática, lembra Saramago em suas repetições: comunismo, comunismo, o português - Ceaucescu, Ceaucescu, a romena.



A obra de Herta combate o que tanto Saramago defende em seus livros, defendia em seus discursos, o comunismo.



O comunismo, seja o propagandeado por Saramago, seja o denunciado por Herta tem como característica primeira o talento para humilhar o povo,segue-se uma avalanche de adversidades que vão do atraso, em todos os sentidos à fome e perda de liberdade.



Em Depressões, alto lá psicólogos, o leitor não encontrará a depressão propriamente dita, tampouco sofrerá da mesma após a leitura, mas não garanto que evitará a decepção. Isso mesmo, decepção. Depressões beira a ingenuidade, a impressão que chega ao leitor é que a autora escreve com timidez, ou quem sabe medo. Questiona, questiona, mas se posiciona? Transfere ao leitor a responsabilidade. Sei que já a compararam a Graciliano Ramos, basta um falar para a fila dos papagaios logo aumentar. O nefasto exagero de metáforas da romena,serve para amenizar a gravidade da temática, infelizmente, deixa o alagoano no chinelo nesse quesito. Concordo que ambos sejam secos, diretos, sem rodeios,quando ela deixa de lado as metáforas, bien sûr, em suas frases, mas comparar o cenário de Graciliano com o vazio, a falta de sentido, criados por um regime totalitário é um exagero e tanto. Sem esquecer que Graciliano filiou-se ao Partido Comunista em 1945.



E para ser bem claro, a obra de Graciliano é muito superior. Mas não esqueça, quem ganhará o Nobel será Chico Buarque.



Depressões é um livro paradoxal, quase impossível decifrar as intenções da autora, apesar da repetição temática, o fato de apresentar, se preferir, politizado leitor; denunciar o regime de Ceaucescu, Herta Muller não economizou poesia, faz lembrar contos de fadas tamanha a maestria com que a autora conseguiu açucarar a narrativa.



O ambiente é rural, personagens sem nomes, vilas, cidades sem nomes, não há datas, não há referências, onirico em excesso, aqui sim o banal é banalizado.



Em Depressões uma jovem faz o papel de narradora, narra a vida da sua aldeia, o cotidiano de sua família, dentro dos limites do socialismo, cooperativas estatais e o cultivo de milho e a pecuária rudimentar.



Desse modelo emana a óbvia ausência de liberdade e a consequente falta de amor,de perspectivas.



Impera a brutalidade, crianças tem no espancamento o mais moderno método pedagógico, casais pouco se respeitam, o pai da narradora trai, espanca e se embriaga. A mulher sem ter a quem recorrer busca conforto nas lágrimas, nas suas lágrimas. O amanhã virá, há de vir. E virá. Igual.



O que resta à comunidade? Tudo. Pensando melhor, tudo. O vazio, o vazio a ser preenchido, tarefa para a qual faz falta a ferramenta mais importante, a liberdade.



A rotina triste de uma comunidade, o leão enjaulado, dia sim dia também andando de lado pro outro atrás das grades.



O que fazer, o que esperar? Comer, dormir, envelhecer, morrer...



O socialismo que a todos consegue nivelar com extrema facilidade, basta tirar a liberdade. Pena Herta Muller ter deixado a história tão colorida! Vou reler Saint-Exupéry.



Depressões, não chega a ser ruim,Esperando Godot é muito melhor.